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Saúde social, confidencialidade e redes de solidão

Romper o ciclo de dependência das plataformas como mediadoras exclusivas de nossas conexões virou questão de saúde

por Fábio Pellim / Managing Director Latam da OLIVER
Capa - Saúde social, confidencialidade e redes de solidão
Imagem: Agê Barros

Deixei os temas me guiarem e acredito que os deuses da curadoria sabem uma coisa ou outra. Não foi difícil chegar ao final do dia com algum nexo entre eles, cujos elos foram a saúde social, a solidão e a confidencialidade de nossas vidas.

As plataformas de redes sociais movimentaram US$ 234 bilhões em 2024, e as projeções indicam que devem ultrapassar os US$ 345 bilhões em 2029. Este enorme fluxo de capital tem liderança clara: três das quatro maiores plataformas pertencem à Meta, um negócio que vale hoje US$ 1,5 trilhão. Este número é sinônimo de poder, um poder que ganhou mais músculos e agressividade com o atual governo americano.

Transporto-me para Sophie Zang e o painel que pergunta se whistleblowers podem nos salvar das big techs. Sem rodeios, a resposta é não. Sophie denunciou o Facebook, sacrificando sua carreira e vida pessoal para expor abusos que permitiam manipulação política através de notícias e páginas falsas, ignoradas pela gestão ou pior. Movida por um forte senso moral, Sophie recusou um pacote de indenização de US$ 64.000,00 vinculado a um acordo de confidencialidade, preservando assim sua voz contra a empresa. 

Sophie Zang, a whistleblower do Facebook. Foto: Christie Hemm Klok / MIT Technology Review

O que mudou no Facebook após isso? Pouco ou nada. Na verdade, a repressão contra movimentos como esse tornou-se ainda mais intensa.

Whistleblowers sozinhos não nos salvarão, somente ações coletivas mirando em políticas de maior transparência podem, talvez, nos proteger de abusos pelo poder econômico e de acesso à informações sensíveis de cada um, a vulnerabilidade das plataformas está no social fora delas.

Nem todas as plataformas exploram nossos dados em troca de serviços gratuitos. Tudo que compartilhamos hoje é triturado, transformando assim em um suco de perfis altamente precisos para se oferecer algo, já a nossa atenção é cativada e comercializada como espaço publicitário fazendo nosso dia um horário nobre constante. Nas plataformas que usamos de graça, somos mercadoria e moeda com nossos dados, nossas vidas e nossa falta de confidencialidade. 

Como disse, nem todas as plataformas, porém, seguem esse modelo. A Signal é uma exceção. Meredith Whittaker, sua presidente, merece atenção por sua atuação em pesquisas e movimentos civis ligados à privacidade. Seu depoimento ao Congresso americano, em 2019, denunciou preconceitos algorítmicos, particularmente no reconhecimento facial, além da importância da proteção a whistleblowers.

A Signal não lucra com nossos dados, operando com múltiplas camadas de  segurança e coletando pouquíssimas informações, especialmente comparada ao WhatsApp. No entanto, usar a Signal levanta questões práticas: quantas pessoas também a adotariam pela privacidade? Como uma plataforma que não monetiza dados nem cobra por assinatura poderia sobreviver? Sua existência subverte o modelo econômico vigente, sugerindo que talvez seja possível fazer diferente e melhor, desde que escolhamos esse caminho.

Volto ao início do dia, quando Keslay Killam, cientista social formada em Harvard e especialista em solidão, apontou que a saúde social será uma questão tão importante quanto a saúde mental nos próximos anos. Saúde social e mental são indissociáveis, e estudos indicam que a solidão acelera doenças neurológicas, como a demência. Pesquisas recentes também mostram que redes sociais têm efeitos antissociais, agravando a solidão e doenças como ansiedade.

Keslay propõe formas de fortalecer nosso músculo social, sugerindo movimentos intencionais que nos tirem da virtualidade e nos levem a experiências reais com outras pessoas. Essa prática não é exclusiva aos extrovertidos, é uma necessidade coletiva. Caso contrário, continuaremos a ter nossa atenção drenada e nossa saúde mental deteriorada.

Nossas relações e nossa atenção estão no mercado como peça central na economia atual, e são, nessas plataformas e todas as distorções de realidade que elas podem proporcionar, o mais eficaz instrumento para moldar a opinião pública em prol de marcas, políticas públicas e visões de mundo.

É preciso romper o ciclo de dependência das plataformas digitais como mediadoras exclusivas de nossas conexões. É urgente promover alternativas que respeitem nossa privacidade e autonomia social, questionando criticamente as práticas atuais. Somente valorizando conexões autênticas teremos alguma possibilidade de saúde social. 



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