Quem imagina o futuro, constrói o futuro

Quando pensamos no futuro, quem está fazendo essa imaginação? E se, por séculos, a construção do amanhã tivesse sido limitada a um grupo muito específico de pessoas? No painel “Octavia Knew: How Black Women are Predicting the Future” no SXSW 2025, as palestrantes trouxeram uma provocação essencial: o futuro que imaginamos depende de quem está sonhando. E por isso, a falta de diversidade no futurismo não é apenas um problema de representatividade – é um problema de inovação, de justiça e de sobrevivência.

Futurismo por outras lentes

A conversa partiu da ideia de histo-futurismo, conceito usado pela escritora Octavia Butler para descrever como o estudo do passado e dos padrões históricos pode ajudar a prever o futuro. “Octavia Butler não era uma profeta, ela apenas prestava atenção”, afirmou uma das palestrantes. Esse método de imaginar o futuro baseado na análise de padrões sociais, ambientais e políticos é o que norteia o trabalho das convidadas: Shamika Klassen, especialista em tecnofeminismo negro; Carmela Wilkins, designer e pesquisadora de sistemas alimentares; e Lauren Williams, artista e educadora que investiga como sistemas econômicos moldam a vida negra.

Para elas, imaginar futuros possíveis não é um exercício individual ou isolado—é um trabalho coletivo. “A ficção científica nos ensinou que o futuro é feito de grandes mentes solitárias que inventam o amanhã. Mas o futuro real é construído em comunidade, através de redes de conhecimento e resistência”, pontuou Klassen.

Oportunidades na destruição

Se o futuro está sendo constantemente moldado, o que acontece quando atravessamos períodos de crise? Para as palestrantes, momentos de ruptura podem tanto colapsar a imaginação quanto acelerar transformações. “O governo Trump mostrou que nada está fixo. O que parece imutável pode mudar da noite para o dia, e isso pode ser assustador—mas também pode ser libertador”, refletiu Williams.

A instabilidade política e econômica não só limita a capacidade de imaginar alternativas, mas também pode criar brechas inesperadas. “As regras do jogo estão sendo quebradas o tempo todo. Se isso pode ser usado para oprimir, também pode ser usado para libertar”, acrescentou Wilkins. A questão é: como transformar essa instabilidade em um caminho para construir o futuro que queremos?

Foto: Juliana Wallauer

IA, agricultura e a ilusão do progresso

Entre os temas mais impactantes da conversa, a relação entre inteligência artificial e agricultura trouxe questionamentos fundamentais sobre tecnologia, sustentabilidade e exploração. “73% dos trabalhadores agrícolas nos EUA são imigrantes. Se substituímos essa mão de obra por IA, qual será o impacto social?”, perguntou Wilkins.

Além do impacto humano, há o impacto ecológico. “A IA aplicada à agricultura otimiza colheitas com um pensamento fabril—monocultura, pesticidas, fertilizantes em larga escala. Mas a natureza não funciona como uma linha de produção. Esse modelo apenas acelera o envenenamento do solo e a destruição da biodiversidade”, explicou.

A alternativa? Buscar tecnologias que respeitem os ecossistemas em vez de tratá-los como máquinas a serem otimizadas. “Se a inteligência artificial é capaz de aprender, precisamos ensiná-la a observar como a natureza já faz seu trabalho, e não simplesmente forçá-la a seguir modelos industriais que já se provaram insustentáveis”, provocou Klassen.

História e desumanização

“Estudar história é estudar a humanidade. Se tentamos prever o futuro sem olhar para o passado, é como tentar aprender a ler sem conhecer o alfabeto.” A citação de Octavia Butler ressoou forte na discussão sobre como padrões históricos se repetem e como, muitas vezes, esses ciclos se baseiam na desumanização de grupos vulneráveis.

Um dos exemplos mais chocantes foi a comida como arma política. “A escassez de alimentos não é apenas um problema ambiental. É uma ferramenta de controle. Da Palestina a Flint, Michigan, comunidades negras e racializadas estão há décadas tendo acesso à água e alimentos deliberadamente negado por interesses políticos”, destacou Wilkins.

Outro padrão histórico se repete na maneira como sistemas exploram corpos negros e indígenas—seja na expropriação de terras, seja na apropriação cultural. “O que aconteceu com Sarah Baartman, exposta como um objeto exótico no século XIX, ainda acontece hoje quando a cultura negra é consumida e comercializada sem que suas comunidades tenham qualquer retorno”, lembrou Klassen.

Questionando o crescimento infinito e o futuro do capitalismo

Por fim, as palestrantes desafiaram a própria ideia de crescimento como sinônimo de progresso. “A única coisa que cresce infinitamente é o câncer. Um sistema econômico baseado em expansão infinita em um planeta finito é, no mínimo, insustentável”, afirmou Klassen.

A conversa se aprofundou no futuro do capitalismo, trazendo a citação de Ursula K. Le Guin: “Vivemos no capitalismo. Seu poder parece inescapável. Mas então, também parecia o direito divino dos reis.” O que significa imaginar um mundo além do capitalismo? Para Williams, o primeiro passo é romper a ideia de que ele é o único modelo possível. “Octavia Butler escreveu: ‘Não há nada de novo sob o sol. Mas há novos sóis.’ Precisamos expandir nossa imaginação para além do que nos foi ensinado a aceitar como inevitável.”

Imaginar o futuro é um ato de resistência

Se o futuro é moldado por quem o imagina, então imaginar novos futuros é um ato político. “Se queremos um futuro diferente, precisamos de novas histórias, novas referências, novas possibilidades. E isso começa com quem está sonhando”, concluiu Klassen.

A pergunta que fica para nós é: quais futuros estamos dispostos a imaginar—e a construir?



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Publicador por
Juliana Wallauer @jwallauer

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