Sem diploma, sem problema: desmistificando talento no mercado de trabalho
O debate não é sobre eliminar o valor do ensino superior, mas sobre reconhecer que há muitos caminhos para desenvolver talento
A ideia de que um diploma universitário é o único caminho para uma carreira bem-sucedida está ultrapassada. Esse foi o ponto central da palestra de Byron Auguste e Michelle Murphy no SXSW 2025. Cofundador e CEO da Opportunity@Work e ex-assessor econômico do governo Obama, Auguste tem uma missão clara: desafiar os mitos sobre talento e abrir novas oportunidades para milhões de trabalhadores qualificados que não possuem um diploma de ensino superior. Michelle Murphy, líder na Trane Technologies, trouxe um case prático sobre como sua empresa está enfrentando essa barreira e desenvolvendo talentos de forma inovadora.
O problema: diplomas como barreira invisível
Hoje, nos Estados Unidos, cerca de 70 milhões de trabalhadores têm habilidades adquiridas na prática, mas não possuem um diploma de bacharelado. Eles são chamados de STARS (Skilled Through Alternative Routes), ou “habilitados por caminhos alternativos”. No entanto, muitas empresas ainda exigem um diploma como requisito mínimo para cargos que poderiam ser desempenhados por profissionais com experiência prática. O resultado? Uma exclusão em massa de talentos qualificados simplesmente porque não passaram pelo ensino superior tradicional.
“Quando filtramos talentos pelo diploma estamos, na realidade, separando quem tem PERMISSÃO para aprender no trabalho”
Auguste provocou a plateia: “Se você pensa na sua própria carreira, aprendeu mais na faculdade ou no trabalho?”. A maioria das pessoas aprende suas principais habilidades no dia a dia profissional, e ainda assim, o mercado insiste em um modelo de seleção baseado em diplomas, não em competências reais.
O tamanho da desigualdade no acesso
Os números deixam claro o impacto desse viés: trabalhadores sem diploma demoram, em média, 30 anos para alcançar o mesmo patamar salarial de alguém recém-formado. Além disso, existe um enorme desperdício de talentos. Estudos mostram que 30 milhões de pessoas sem diploma já possuem as habilidades necessárias para ocupar cargos que pagam pelo menos 50% a mais do que seus empregos atuais. A barreira do diploma não só limita a mobilidade social, mas também prejudica a inovação e a competitividade das empresas.
Soluções: contratando pelo que importa
A solução proposta por Byron Auguste e Michelle Murphy é clara: substituir a triagem por diplomas por uma abordagem baseada em habilidades reais. Empresas que adotam esse modelo ampliam significativamente o acesso a talentos diversos e aumentam a produtividade de suas equipes.
A Trane Technologies, empresa liderada por Murphy, criou um programa de aprendizado estruturado para atrair e desenvolver talentos sem diploma. A iniciativa envolve um modelo de aprendizado em grupo, onde os participantes passam por treinamentos técnicos e desenvolvimento de soft skills ao lado de colegas. O impacto dessa abordagem vai além do aprendizado técnico: “Aprender em grupo acelera a evolução profissional porque cria um ambiente onde você pode errar, testar e crescer junto com os outros”, explicou Murphy.
O papel da mentoria
Um dos pilares do sucesso do programa da Trane Technologies é a mentoria. Ao perceber que muitos de seus técnicos mais experientes estavam próximos da aposentadoria, a empresa estruturou um sistema de compartilhamento de conhecimento. “Muitos veteranos não querem parar de trabalhar, mas não conseguem mais fazer as atividades físicas mais exigentes. Transformamos esses profissionais em mentores, permitindo que eles compartilhem seu conhecimento e ajudem a formar a próxima geração”, disse Murphy. O resultado? Uma transferência de conhecimento eficiente e uma nova perspectiva de carreira para quem já está na empresa.
Repensando o futuro do trabalho
No encerramento da palestra, Auguste fez uma pergunta provocadora: “Quais são as perguntas que precisamos fazer para encontrar talentos quando o que importa não é mais o que você sabe, mas a sua capacidade de aprender e resolver problemas?” Ele reforçou que contratar por habilidades e investir em capacitação não é apenas uma questão de inclusão, mas de estratégia empresarial. Empresas que ignorarem essa tendência ficarão para trás em um mercado cada vez mais competitivo.
Os dados confirmam: as duas áreas onde STARS conseguem crescer mais rápido são tecnologia e cargos de CEO. “Os dois cargos mais comuns entre pessoas sem diploma que atingiram altos salários são desenvolvedor de software e CEO. Por quê? Porque as empresas que não promovem esses talentos estão criando sua própria competição”, alertou Auguste.
O debate não é sobre eliminar o valor do ensino superior, mas sobre reconhecer que há muitos caminhos para desenvolver talento. E talvez o maior erro que uma empresa possa cometer seja julgar a capacidade de alguém pelo papel que carrega – e não pelo que sabe fazer.
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