Cannes Lions 2024: O buraco é mais embaixo
A inclusão como perspectiva real da criatividade muito mais do que compliance
Uma das coisas que vem acontecendo cada vez mais de forma estruturada aqui em Cannes são os encontros de networking – em grupos menores, de afinidade.
Estive em algumas destas salas nos últimos dias e saio delas, mais uma vez, com sentimentos misturados: de um lado, vejo cada vez mais pessoas dispostas a debater e disponíveis para ocupar espaços. Mas de outro, ainda vejo uma indústria que luta para abrir espaços para quem não é maioria.
Ouvi estatísticas em dois destes encontros de que a diversidade nas lideranças (de gênero, raça, cor) vem diminuindo nos últimos dois anos. Não posso dizer que eu não tinha um pouco desta sensação – mas quando a gente vê os números, e o sentimento vira fato, o alarme toca.
E aí, no meio desta reflexão toda, eu fui arrebatada por uma daquelas palestras que o universo faz a gente assistir. Sinead Burke, CEO e fundadora do “Tilting the lens” (em tradução livre, inclinando a câmera) é uma mulher de baixa estatura.
Apaixonada por moda, ela usou magnificamente os seus vinte minutos no Palais pra nos mostrar que ainda temos muita grama pra vencer na inclusão dos 1,6 bilhões de pessoas com deficiência na vida cotidiana. E mostrou como vem, com sua empresa, criando projetos que fomentam a acessibilidade em toda a cadeia da publicidade.
Em uma ação para Smirnoff, por exemplo, ela criou uma balada 100% acessível. Sem degraus, com salas em silêncio, com sinalização em braille, alças de apoio nas paredes e um interprete para linguagem de sinais. A trilha sonora era de responsabilidade de uma Spice Girl e da DJ Lou Bru, que anda de cadeira de rodas.
Em uma ação conjunta com a British Vogue, ela criou uma edição com cinco capas diferentes estreladas por pessoas com deficiência, com artigos escritos por pessoas com deficiência. De novo, uma visão da cadeia de desenvolvimento e produção até a ponta.
Ela terminou a conversa lançando um desafio para a nossa indústria: pra que a gente pare de olhar inclusão como um assunto de “compliance” (ou uma obrigação) e passe a olhá-lo sob a perspectiva real da criatividade, como uma oportunidade.
E se tem uma indústria que tem poder pra melhorar o mundo que não a administração pública, gente, é a nossa. Por que estamos deixando demorar tanto?
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