Web Summit 2023 – Rio: Gerenciamento de crise

Existe muita antecipação sobre um evento como a Web Summit. Ainda mais em sua primeira edição fora da Europa. O maior evento de tecnologia do mundo.

Fiz uma análise breve do conteúdo lecionado ao longo de três dias de evento: AI generativa, smart money, smart tech, saas… Tudo sobre tecnologia, mas pouco conteúdo sobre quem produz a tecnologia: pessoas.

Ao longo do evento fiquei pensando sobre o aspecto pessoal e humano da tecnologia e o impacto dela nas pessoas. Dessa forma, resolvi, de última hora, mudar o tema da palestra que lecionei no Web Summit e trazer uma abordagem mais particular e humanizada sobre o gerenciamento de crises.

Sempre que pensamos sobre crises que marcas enfrentam consideramos apenas o “CNPJ”, esquecendo que elas são feitas de pessoas. Existem pessoas por trás de toda marca – até aquelas mais tecnológicas. Durante as crises que gerenciei, aprendi algumas lições que servem tanto para a vida pessoal quanto para a profissional. Ficam aqui meus ensinamentos – sobre vida, crise, liderança e crescimento pessoal – que dividi durante a masterclass “The truth behind a crisis”, no dia 03/05, na primeira edição do Web Summit Rio.

Primeiro, aproveito esse texto para explicar que não tenho nenhuma formação acadêmica em gerenciamento de crise. Apesar de nunca ter estudado a fundo sobre o assunto, tenho que admitir que a possibilidade de organizar a desordem sempre me trouxe algum conforto. Sempre fui muito boa em resolver problemas, em trazer paz para ambientes caóticos e sempre cresci perante o desconforto. Como diriam os mais sábios: “mar calmo não faz bom marinheiro”.

Mesmo acreditando 100% nessa premissa, tenho que admitir que toda crise é desafiadora. A falta de certeza sobre a sua rotina, sobre a sua reação, a insegurança que paira sobre suas atitudes e sobre o futuro da organização, a descrença sobre a atitude de seus pares… Tudo isso misturado ao medo de não conseguir ter sucesso no seu desafio. É uma luta diária entre querer jogar tudo para o alto e ter a garra para prosseguir no seu propósito.

Durante a minha primeira crise de imagem como gestora, passei por uma questão pessoal que afetou meu cotidiano por meses: a piora no quadro de saúde do meu avô. Apenas para dar um contexto, meu avô foi diagnosticado com um câncer terminal no cérebro no dia 3 de janeiro de 2022. Com uma cirurgia de emergência, ele conseguiu manter uma vida normal até agosto do mesmo ano. A partir daquele mês, começou sua caminhada final. Lembro perfeitamente desse período. A matéria que deu início a crise de imagem sobre as viagens flexíveis não realizadas em 2022 foi publicada no dia 19 de agosto. Uma semana depois, no dia 26, percebi pela primeira vez que meu avô teria pouquíssimo tempo de vida.

Vida pessoal e vida profissional

A “Crise das Ausências“, como carinhosamente a apelidei na minha cabeça, foi marcada por um sofrimento e desgaste extremos da minha parte. Foram inúmeras entrevistas, posicionamentos, matérias e muitos julgamentos por parte da imprensa e de clientes sobre nosso modelo de negócios e sobre a situação da empresa. Além disso, ver o meu avô morrendo lentamente foi uma dor inimaginável. Conviver com a verdade de que ele não estaria ali por muito mais tempo e com a realidade de que eu precisava estar 100% disponível tanto para a minha família quanto para a minha equipe era um fardo gigantesco para carregar.

A primeira lição que eu aprendi com as crises de imagem não tem nada a ver com o gerenciamento de crise. Queridos, não existe a separação de vida pessoal e vida profissional. Quem você é não vai mudar ao atravessar uma porta. O exemplo de como age em casa, com seus amigos, com estranhos, é o exemplo que você precisa seguir com seus colegas de trabalho. Seu lado pessoal faz parte – e é a principal parte, na verdade – do profissional que você é, papel que, no meu caso, passa pela liderança e gestão da minha equipe.

Bom, este não é um artigo para deixar todos tristes e para contar o meu relacionamento com o luto. Podemos deixar para outro dia essa história, mas apenas para fechar esse ciclo: o meu querido e lindo avô nos deixou no dia 29 de outubro de 2022, enquanto eu estava do outro lado do mundo viajando a trabalho. Nos deixou com um legado incrível de fé, ética, amor e companheirismo que eu exerço todos os dias na minha vida aqui no Hurb. Me deixou também com uma saudade que nunca irá passar.

Voltando ao assunto da crise, a Crise das Ausências durou entre agosto e outubro de 2022. Foi suave, comparado ao que estava por vir. No primeiro trimestre de 2023, dois eventos macroeconômicos iniciaram uma nova crise no Hurb. O primeiro, em janeiro, foi o calote das Americanas. O segundo foi a falência do Silicon Valley Bank, em março.

Vocês podem estar se perguntando como dois eventos diferentes têm a ver com a nossa situação. Vou explicar resumidamente (no português coloquial): o fluxo de caixa do Hurb depende da antecipação de recebíveis – o que é normal para empresas que faturam em boletos ou no cartão de crédito.

Além dos eventos macroeconômicos que deram o pontapé inicial para o momento mais desafiador da minha carreira, uma crise reputacional envolvendo a imagem do CEO da empresa agravaria a situação na mídia. Vamos lá: não estarei aqui julgando o que é certo e o que é errado – é um relato sobre a minha experiência e como lidei/estou lidando com a imprensa neste momento tão delicado para a marca.

A combinação de crise financeira + crise de imagem + crise reputacional é uma mistura interessante, mas extremamente complicada de resolver.

Como fazer a engrenagem voltar a funcionar?

Vamos lá:

Gerenciamento de crise é o planejamento de ações que evitam ou minimizam os efeitos de uma instabilidade que possa prejudicar a reputação da sua marca. Esse gerenciamento engloba:

●  Gestão de eventos negativos

●  Agir no momento da crise

●  Tomar decisões e liderar o processo

●  Monitorar os temas sensíveis

●  Formar um conselho contínuo – o famoso Comitê de Crise

●  Comunicar a mensagem ao conselho

●  Antecipar e gerenciar os riscos

●  Fazer simulações de crise

●  Fazer Social Listening – ou seja, ouvir o que as pessoas comunicam publicamente em ambiente digital, podendo ser em redes sociais, fóruns, artigos, sites e outros

●  Ter insights de conteúdo de engajamento para impactar positivamente a imagem

O que eu posso adiantar aqui é que não existe fórmula mágica nem receita de bolo. E o que eu POSSO garantir é o seguinte:

1 – Tempo de resposta importa MUITO.

2 – TODA crise é uma oportunidade

3 – Gerenciamento de crise é muito além de apenas comunicação – é necessário ter uma visão 360º de todas as tomadas de decisão da empresa

4 – A raiz da crise muitas vezes está nos riscos não percebidos ou minimizados

Na prática

Os aprendizados que tenho a compartilhar são sobre a minha experiência e vão girar em torno de lições pessoais e profissionais – sobre gerenciamento de crise e sobre liderança:

1 – Vida pessoal e vida profissional são apenas uma coisa só, e essa indiferenciação se intensifica em momentos de crise.

2 – Sua equipe é seu alicerce. Seus liderados serão as pessoas que irão te ajudar a aguentar a pressão quando tudo parecer estar indo água abaixo.

3 – A ignorância é uma benção. É impossível acompanhar sozinho todas as demandas nos mínimos detalhes. O conhecimento pode ser um fardo pesado demais para ser carregado sozinho.

4 – A liderança é solitária. Mas líderes solitários podem se fazer companhia.

5 – Errar é humano. Perdoar também.

6 – Tá tudo bem chorar de vez em quando – ninguém consegue segurar todo o peso do mundo o tempo todo

7 – Foco e energia: você não vai controlar o mundo o tempo todo – escolha onde é mais importante ter o controle da narrativa e foque ali

8 – A verdade salva.

9 – Nada é tão ruim que não possa piorar. Vai por mim.

10 – Tudo passa. E quando a normalidade voltar, você vai sentir falta da adrenalina na rotina.

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