Estamos diante de uma transformação radical na maneira como as informações são coletadas e compartilhadas. Nem bem conseguimos compreender os prós e os contras da era digital e já temos que dar conta de avaliar a chegada de uma nova internet, baseada em inteligência artificial. Como compreender os novos modelos de interação que serão incorporados nas experiências digitais?
O assunto, um dos mais discutidos no SXSW 2023, foi destaque na concorrida apresentação de Amy Webb, que decretou: “é o fim da internet como conhecemos. Passaremos não mais a ir à internet, ela irá até nós. Todos os sistemas estão nos pesquisando, isso nos traz uma perspectiva totalmente diferente do que chamamos hoje de “rede” e do que chamaremos nos próximos anos“. E o que vem por aí é o que Amy chama de AISMOSIS, quando todas as inteligências artificiais vão interagir entre si e usar dados de múltiplas fontes. As ferramentas geradoras de textos, imagens e vídeos vão evoluir ainda mais e chegarão a ter a capacidade de captar novos dados como cheiro, sons de animais, músicas ao fundo, entre outros elementos do ambiente. O algoritmo escolherá algo para o usuário baseado em suas últimas ações, condizentes ou não com seus desejos. A partir daí, a pergunta é previsível: quais os efeitos dessa transformação para a vida de todos nós?
A reposta pode vir de dois cenários. No mais otimista, o novo desenvolvimento das tecnologias gerará muitos benefícios para o “bem comum”. Nessa perspectiva, pode-se vislumbrar mais autonomia para o indivíduo pois seus dados seriam tratados como propriedade descentralizada, diminuindo assim o poder de centralização hoje nas mãos de poucas empresas. E assim, com mais transparência na forma de como os algoritmos estão sendo treinados, aumentará o poder de decisão sobre os dados que queremos compartilhar. Já no cenário pessimista, aponta-se a chegada de uma nova geração de tecnologias totalmente guiadas pela maximização do lucro das empresas detentoras desse conhecimento. Neste contexto, o crescimento descontrolado das novas tecnologias pode nos colocar rodeados de informações, porém “empurrando” dados de coisas que não necessariamente queremos consumir. Além disso, tais tecnologias acentuariam as conhecidas desigualdades sociais, nos aproximando de uma grande “rachadura”. Ou seja, a distância social entre as pessoas com acesso e conhecimento para lidar com as novas tecnologias e as pessoas que não tiveram oportunidade de acessá-las tenderia a ser crescente e incontornável.
Os dois cenários não são excludentes, ambos trazem facetas da realidade e desdobramentos possíveis. E embora tenha dado grande peso ao cenário pessimista, Amy Webb trouxe uma visão mais otimista sobre o futuro do que em anos anteriores. De fato, se as cartas estão na mesa, esse jogo pode ser jogado com escolhas e resistências dos interessados em torná-lo mais humano. Contudo, no debate sobre inteligência artificial, há uma outra pergunta relevante: como definiremos no futuro o limite do que é “humano”? Ou quais as novas fronteiras do conceito de “ humanidade”? Pergunta ampla e retórica. Mas, a meu ver, as reflexões que Esther Perel trouxe em seu painel sobre “intimidade” e “conexão” pode nos aproximar de respostas sobre “humanidade”.
Esther nos provocou a pensar sobre esse mundo baseado em tecnologias preditivas e sobre como ele afeta nossas relações. Ela começou sua palestra dizendo que inventaram uma Inteligência Artificial da Esther, uma “Esther AI’ que teria a capacidade de responder, de trazer a inteligência dos “CHATs GPTs” para o mundo da psicologia gerando soluções para os enigmas da vida humana. Contudo, foi enfática ao dizer: “isso não é possível”. Para entender e poder orientar ou contribuir, seja de forma profissional ou não, é preciso ter intimidade. E intimidade só vem através de conexão. Em sua visão, a tecnologia que nunca te viu, não te conhece e não seria capaz de atingir esse nível.
Conexão e intimidade exigem experiência e referências comuns. Assim se percebe o invisível e o tato humano se torna também um produto escalável. Mas, por enquanto, a intimidade não pode (e não deveria) ser artificial. A cura está em nós, no que ela chama de “estar presente”. A provocação de Esther Perel é para estarmos presentes e nos conectarmos mais, a ponto de criarmos uma poderosa intimidade. Estar presente é o maior presente que podemos dar ao nosso futuro.
Nós temos a obrigação de buscar caminhos para tornar a relação entre seres humanos e máquinas bem mais saudável, sem que sejamos dominados ou substituídos pelo poder delas. Para tanto, será preciso questionar nosso comportamento evolutivo/passivo diante das tecnologias. E, mais do que nunca, é preciso reconhecer a importância do lugar da dúvida (o que nos torna humanos) e estabelecer a urgência da solidariedade (o que pode impedir a grande rachadura).
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