SXSW 2023: Nocaute
Duas palestras atordoantes sobre o impacto da inteligência artificial nas nossas vidas daqui pra frente.
Elas nunca decepcionam. Dentre as palestras que acontecem na maior sala aqui do ACC, Amy Webb e Esther Perel são das mais consistentes: a cada ano que passa, trazem conteúdo mais impactante e com maior força pra nos tirar da nossa zona de conforto (se é que isso ainda existe).
Pois bem: comecei meu dia aqui com Amy. Neste ano, ela nos trouxe dois bons socos no estômago.
O primeiro deles: a internet como a conhecemos hoje acabou. E daqui pra frente, ao invés de a gente procurar coisas nela, ela passará a procurar coisas na gente. A razão é simples — o que ela chamou de “AISMOSE“. A Inteligência Artificial Generativa precisa de dados para aprender — e em tempos de ambient technology, em que uma casa tem em média 25 aparelhos conectados nela, tudo é dado: o que está nas telas, o que se conversa, o que se descobre pelos ruídos de fundo (eu já falei aqui que a Alexa consegue descobrir as medidas do cômodo em que ela está pela reverberação do som ambiente).
A implicação provável da AISMOSE: ou vamos habitar um mundo em que todo e qualquer dado legível por algoritmos seja usado em favor da humanidade (e aí a nossa vida vai melhorar muito: vamos viver num mundo quase sem fricção, em que o ambiente praticamente pensa por nós) ou então a coisa vai ficar feia — AI vai trabalhar em favor do capitalismo, pegando todo e qualquer dado disponível sobre nós e o usando pras nos stalkear, nos atrapalhar e fazer mais dinheiro.
E como se isso não fosse suficiente, veio o segundo grande tema: estamos condenados a nunca mais pensar sozinhos. A culpa é das “assistive technologies“, que vão acelerar ainda mais arenas como as da produtividade (vide quanta gente já tem usado ChatGPT para programar, escrever, corrigir coisas), as da medicina e da biotecnologia. Ela nos mostrou um futuro em que médicos usam XR e Digital Twins (gêmeos digitais, uma aplicação alternativa do metaverso que me foi apresentada ano passado no Websummit) para ter as melhores probabilidades de sucesso em cirurgias complexas. Um mundo no qual programadores integram equipes de paramédicos.
A consequência mais óbvia é a necessidade de ensinar o mundo de hoje a trabalhar e usar estas tecnologias da melhor forma possível. Fazer um bom prompt pro ChatGPT, por exemplo, requer treino e certa sofisticação no uso de linguagem. E muito provavelmente quem vai ter mais chance de aprender é a população privilegiada — o que provavelmente aumentaria a distância entre os ricos e os pobres no mundo.
E como se o acima não bastasse, Esther veio com um jab que nos derrubou de vez, ao falar que a inteligência artificial está sendo um conduíte para a intimidade artificial. Que ao vivermos num mundo de imagens cuidadosamente curadas nas redes sociais, estamos constantemente nos comparando uns aos outros, mascarando solidão com hiperconectividade e desaprendendo a nos relacionar.
Ela nos lembrou que essa tecnologia que tudo resolve também nos “achata”— porque ela elimina boa parte do desconforto, das falhas, do medo e dos riscos que corremos como seres humanos, e eles são essenciais para a construção da nossa identidade. E que sempre que as telas roubam a nossa atenção de outras pessoas, elas nos impedem de verdadeiramente conhecê-las — e ao fazer isso, conhecer novas partes de nós mesmos.
Esther terminou nos lembrando de voltar a usar o que aprendemos ainda como bebês: a linguagem da intimidade. Toque, cheiro, som, gosto, contato visual.
Não esqueçamos: nós somos e estamos vivos.
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