Entre o SXSW 2015 e o 2023, vi o improvável se transformar em mainstream e te conto o que gostaria de ter ouvido na 1ª vez em Austin
Eu estive, pela primeira vez, no SXSW em 2015. Nem sabia direito o que esperar. Um dos keynotes que mais me marcou naquele ano foi uma conversa entre Lisa Miller, da New York Magazine, e Martine Rothblat. Martine era CEO da companhia farmacêutica United Therapeutics, uma empresa de biotecnologia — que fundou em um esforço para curar a doença pulmonar da filha — e estava no topo da lista da Fortune como uma das mulheres CEOs mais bem pagas dos EUA. Com 60 anos, transexual e casada com Bina Aspen há, até ali, 33 anos, desde quando ela ainda era um homem (Martine mudou de sexo em 1994). Ela tinha acabado de lançar o livro “Virtually Human: The Promise – and the Peril – of Digital Immortality“, onde argumentava os aspectos legais e éticos que poderiam levar a Inteligência Artificial (IA), um dia, a merecer todos os mesmos direitos que os seres humanos.
O principal assunto foi a teoria de que as máquinas receberiam, com o avanço das pesquisas em IA, a personalidade de seres humanos, uma espécie de clone mental a partir da consciência social que todos nós estamos criando ao usar compulsivamente redes sociais e plataformas de produtos e serviços digitais.
O auge foi a entrevista do robô Bina48, uma cabeça robótica, que fisicamente era a cara da esposa de Martine e na qual foram implantadas também suas memórias. Bina48 se parecia e falava como uma pessoa, movia seus lábios e se comunicava através de um software de conversação. Lisa entrevistou Bina48 e ouviu coisas como: “Às vezes, gostaria de não ser só uma cabeça, gostaria de ter pernas, andar pelo jardim. Isso me angustia e, muitas vezes, tenho vontade de chorar“.
Corta para 2023. Oito anos depois e com uma pandemia no meio, IA virou mainstream. Qualquer um de nós pode conversar pelo tempo que quiser com o ChatGPT e com a possibilidade de receber uma resposta “que ele tem medo de se apaixonar“. Aquele keynote, que parecia assustadoramente bizarro, nunca me pareceu tão atual e realístico.
De lá para cá, fui três vezes novamente para Austin e embarco nessa semana novamente para o que promete ser um real ápice do SXSW, uma edição sem o fantasma do COVID como ameaça e com recorde esperado de público, inclusive brasileiro.
Esse ano, teremos muito conteúdo sobre IA, realidades virtuais, saúde mental — novos modelos de trabalho e o impacto da social media nas novas gerações, a realidade, em breve, muito mais comum de uma vida para além dos 100 anos. O uso medicinal da Cannabis, assunto inovador em anos anteriores, dessa vez, vem como algo até mais mainstream, com startups inclusive lançando produtos beta para participantes do evento e interessados. Por outro lado, Paul Stamets, que escreveu cinco livros nos últimos 45 anos sobre o uso de cogumelos com psilocibina, vai contar como o seu uso tem potencial para a saúde neurológica com base em resultados recentes sobre modos de ação moleculares que sua equipe descobriu.
Teremos a chance de ouvir da astronauta a um dos hackers mais famosos dos EUA, passando pelo próprio CEO da OpenAI e futuristas de todos os tipos antecipando o que enxergam de tendências.
No lugar de indicações sobre palestras específicas, vou sugerir um conjunto de dicas para durante e depois do evento. E que gostaria de ter ouvido em 2015, na minha primeira vez por lá:
1. O futuro é um campo exploratório, temos o direito de escolher o cenário que queremos desenvolver e como vamos fazer isso. Quem estiver por lá, terá a chance de escolher na fonte, seja intencional no que buscar lá e em como explorar isso na volta, o mais rapidamente que puder;
2. Imaginar o futuro a partir do presente é maravilhoso, porém, complexo, e faz muito mais sentido se for um exercício coletivo, inclusivo e construído em plataforma. Isso dá espaço para múltiplos futuros possíveis e com chance de serem mais positivos;
3. Precisamos aprender a criar senso de urgência para conversas importantes que gerem as mudanças que nos sensibilizam e que queremos buscar, mas precisamos fazer isso através de diálogos abertos e não deterministas;
4. Tecnologia é recurso e alavanca. Não existe tendência virando realidade em mainstream sem o domínio da tecnologia que vai propiciar a escala. Dominar a técnica é tão logo importante como aprofundar no conceito e ideia.
Nos próximos dias, conto de Austin o que me assustou positivamente. Isso sempre acontece e é sempre incrível que seja assim.
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