- Cultura 13.ago.2021
“Modern Love” mantém fórmula da temporada anterior, mas força contos a serem mais fantasiosos que reais
Segunda temporada da série de Jonh Carney volta ao Amazon Prime Video, mas desperdiça parte do elenco em episódios que oscilam entre "esse sim, esse não"
Quando estreou no Amazon Prime Video em 2019, “Modern Love” tinha a interessante premissa de ser uma adaptação audiovisual dos contos de uma coluna do The New York Times, que ficou famosa por narrar as mais variadas histórias sobre relacionamentos vividos na frenética Nova York. Roteirista e diretor da série, Jonh Carney adotou um formato clássico de episódios únicos para cada conto, e ainda manteve uma linha macro de conexão entre os personagens linkados pela cidade.
Apesar de alguns detalhes de roteiro, no geral a primeira temporada da série foi uma grata surpresa dentro de um nicho tão saturado quanto o de histórias de amor. “Modern Love” funcionou, hitou com episódios como o de Anne Hathaway interpretando uma jovem bipolar, e ganhou uma segunda temporada com oito episódios, John Carney ainda no comando e um elenco novamente com nomes bem conhecidos do público, incluindo Kit Harington, Anna Paquin, Minnie Driver, Lucy Boynton, Dominique Fishback, Gbenga Akinnagbe e Tobias Menzies. O resultado, no entanto, parece forçar mais ao fantasioso que a temporada anterior (que já teve sua dose de lúdico), e acaba explicitando um desperdício do próprio elenco em episódios que oscilam entre “esse sim, esse não”.
A temporada abraça uma maior diversidade de forma geral, com mais personagens LGBTQIA+ e negros como protagonistas, além de ampliar o espaço físico das histórias para outros lugares como Londres e Dublin. Há também um certo apelo para conquistar um público mais jovem, evidente em episódios como “Am I Gay or Straight? Maybe This Fun Quiz Game Will Tell Me” e “A Life Plan for Two, Followed by One”. E isso não é exatamente um problema, especialmente em “Am I Gay or Straight?…”, que mostra com delicadeza e até certa inocência as descobertas de uma adolescente que se considerava hétero até se apaixonar por uma colega da escola.
No entanto, enquanto a maior representatividade é um acerto, sair da bolha nova-iorquina acabou com o ar de unidade visto na temporada anterior. Desta vez, Carney não usou qualquer tipo de ferramenta para dar liga às histórias, nem um adeus ao público que acompanhou a série até o fim. É um encerramento cru e direto, o que por si só não é ruim. Porém, de certa forma, ao chegar no último episódio, não temos a sensação de conclusão de uma temporada.
O excesso onírico atrapalha episódios como “On a Serpentine Road, With the Top Down”. A história é delicada, com uma mulher mantendo uma certa conexão com o primeiro marido, já falecido, através da manutenção de um carro antigo. Mas colocar o fantasma no banco do passageiro é clichê, didático e broxante. Outro conto prejudicado pelas ferramentas fantasiosas usadas sem medida é “In the Waiting Room of Estranged Spouses”, que exagera no número de cenas com referências às situações de guerra vividas pelo personagem de Garrett Hedlund. A primeira é válida, a segunda passa, na terceira você já quer pular o episódio.
O resultado parece forçar mais ao fantasioso que a temporada anterior, e acaba explicitando um desperdício do próprio elenco em episódios que oscilam entre “esse sim, esse não”
A série toma bons caminhos, no entanto, quando trabalha a empatia de formal geral, e conversa com o público através de um lugar de reconhecimento humano. Você não precisa conhecer o Brooklyn para entender o lugar de “friendzone” da personagem de Dominique Fishback em “A Life Plan for Two, Followed by One” (e desejar que ela saia daquela situação o mais rápido possível). O mesmo acontece com “The Night Girl Finds a Day Boy”, que apesar de mostrar uma história muito específica sobre uma mulher com uma condição genética que a coloca num fuso horário inverso, trocando o dia pela noite, fala com os espectadores sobre adaptações e concessões que toda pessoa precisa fazer para conciliar sua vida com a de outro alguém ao topar encarar um relacionamento.
A série toma bons caminhos quando trabalha a empatia de formal geral, e conversa com o público através de um lugar de reconhecimento humano
O melhor episódio dessa segunda temporada é escrito e dirigido Andrew Rannells. Intitulada “How Do You Remember Me?”, a história com Zane Pais e Marquês Rodriguez mostra as diferentes percepções que cada uma das partes tem de um primeiro e único encontro. A sequência intercalada das lembranças nos dá um vislumbre do ponto de vista de cada personagem, com uma narrativa em quadro que oferece espaço para que eles explorem suas diferentes emoções e intensidade.
Já a prometida história “Strangers on a Train”, com Kit Harington e Lucy Boynton como protagonistas, é um fracasso. O problema pode ser a base do projeto, que foi inspirado em uma série especial dentro da coluna do NYT chamada “Tiny Love Stories”, cujos contos não passam de 100 palavras. Na história original, dois jovens franceses se encontram em um trem de Paris para Barcelona, discutem por causa de um plug, flertam o restante da viagem e combinam de se encontrar novamente na estação de Paris quando retornarem. Acontece que isso se passou poucos dias antes de ser decretado o lockdown europeu por conta da pandemia de Covid-19, e eles nunca puderam cumprir a promessa de aparecer na estação de trem.
Escrita e dirigida por John Carney, a adaptação da história dos franceses se passa em Dublin, a protagonista é extremamente chata e julgadora da vida alheia, não há química entre o casal e o personagem de Kit Harington passa de “romântico à moda antiga”, com referências de “Antes do Amanhecer”, para “stalker furador de quarentena”. Sem falar dos personagens caricatos que compõem os passageiros do trem. A ideia, claro, era abordar os percalços causados pela pandemia de uma forma cômica, mas o resultado foi bem fraco.
Ainda que o episódio final da temporada não tenha cara de fim e, para muitos, possa parecer melodramático demais, “A Second Embrace, With Hearts and Eyes Open” volta a trabalhar com a empatia e o triste reconhecimento de que, na vida, problemas parecem especialmente sujeitos a surgir em momentos nos quais tudo parece começar a se encaixar. É dramático, mas é real. E por isso mesmo, o episódio também é dos melhores, afinal, “Modern Love” acerta quando mantém o espírito original da coluna, que transforma histórias de completos desconhecidos em algo identificável a cada um, deixando a sensação de “poderia acontecer comigo. Poderia acontecer com você”.
A segunda temporada de “Modern Love” está disponível no Amazon Prime Video.
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