Primeira animação nacional no Disney+, “O Pergaminho Vermelho” brinca com jornada do herói pela ótica brasileira
Ao B9, diretor Nelson Botter Jr. lembra da longa trajetória da animação que chega hoje ao streaming e discute a estranha coincidência de ter uma protagonista skatista em um momento de boom do esporte
Entre produções da Marvel Studios e as diversas séries originais da plataforma, pode passar despercebido no calendário de lançamentos do Disney+ para este mês de agosto a inclusão de uma pequena animação brasileira inédita no circuito. O lançamento de “O Pergaminho Vermelho” no streaming deveria ser tudo menos isso, porém: previsto para essa sexta (6), é o primeiro longa nacional do tipo a estar disponível no catálogo do serviço, que em tese é dedicado a toda a produção da Disney com foco nas famílias.
É uma chegada surpreendente que só acrescenta à trajetória particular do projeto. Em desenvolvimento desde 2009, o filme de Nelson Botter Jr. começou primeiro como mais uma das séries de animação trabalhadas pela Tortuga Studios, mas seu universo complexo acabou ajudando a produção a ser redirecionada como um filme de 90 minutos. Chama a atenção os elementos culturais brasileiros e latino-americanos, que unificam a narrativa fantástica e calcada na jornada do herói: a história é focada numa garota que, após brigar com os pais certo dia, é transportada para um mundo chamado Tellurian onde um ser maligno ameaça dominar todos – incluindo uma tribo de sacis – com seus poderes.
Ao B9, Botter Jr. confirma que esses personagens estiveram no centro da trama desde os primeiros passos do projeto. “Esses dois elementos, o bem e o mal, eles sempre foram os mesmos” diz o diretor em entrevista; “O que mudou muito foram os outros personagens que acompanhariam ela ou estariam na jornada, porque como era uma série o universo era um pouco mais complexo”.
Além de discutir as mudanças pela qual o projeto passou durante todos esses anos, o diretor ainda conversou com o B9 sobre as inspirações do filme e os exercícios de manter os visuais alinhados e de trabalhar uma história sobre amor e responsabilidade a partir de uma premissa envolvendo uma ameaça de divórcio, bem como a feliz coincidência de ter uma animação protagonizada por uma garota skatista em um momento de alta do esporte no país graças às Olimpíadas de Tóquio. Você pode conferir a entrevista na íntegra a seguir.
Como O Pergaminho Vermelho foi parar no Disney+?
São dois os motivos. O primeiro é a Vitrine Filmes, que decidiu colocar o filme lá e foi através deles, eu imagino que eles já devam ter algum tipo de relacionamento com o pessoal da Disney. Agora o segundo é que a Tortuga Filmes já teve uma série com a Disney que passava no canal deles, o Disney Junior e o Disney Channel, então quando a Vitrine foi apresentar o projeto eles já nos conheciam. Isso contribuiu muito para que o filme fosse parar no catálogo.
Além disso, a impressão que eu tenho é que o filme muito provavelmente aborda alguns temas que são muito interessantes pra Disney, é um filme família e bem focado no público deles. É uma convergência de fatores.
Você descreve o filme como uma história sobre amor, mas acho interessante que ele comece com a ameaça de um divórcio. Em que momento do desenvolvimento isso foi pensado e como foi inserido?
O filme é muito calcado na jornada do herói, e talvez o principal desafio apresentado a nossa heroína é como reverter esta situação que um rompimento ou uma tragédia, toda a base familiar dela pode desmoronar ali. É óbvio que não é uma coisa direta, ela não atua para lidar com isso, mas o filme fala muito dessa jornada do desenvolvimento pessoal, e esse desenvolvimento começa no caos, ou seja, a família pode não mais existir, ela mesma é protegida de um lado e pressionada do outro, e acaba que a protagonista explodindo e corroborando com isso ao sair de casa. A partir daí ela começa esse desenvolvimento, ela começa a entender todo esse processo e como funciona, o que o pai tá querendo, o que a mãe tá querendo e como no fim dá pra contornar isso. Tudo isso a partir do amor, a partir de ter responsabilidades.
O Pergaminho Vermelho começou lá atrás, em 2009, como um projeto de série de tv, mas rapidamente foi redirecionado para um longa-metragem. Houveram elementos dessas primeiras versões que permaneceram no resultado final do filme?
Quando o projeto começou como série ele tinha alguns personagens diferentes, mas a Nina e o vilão sempre foram os mesmos – ele tinha outro nome, mas a gente resolveu trocar por um mais fácil para as crianças. Mas esses dois elementos, o bem e o mal, eles sempre foram os mesmos. O que mudou muito foram os outros personagens que acompanhariam ela ou estariam na jornada, porque como era uma série o universo era um pouco mais complexo.
A gente transformou em longa muito por conta de um evento internacional que a gente participou, fomos selecionados para uma rodada de pitching e a gente conversou com executivos da Disney – (risos) a coincidência – da Nickelodeon, da Cartoon Network e da France Télévisions. Muitos deles apontaram que o caminho melhor talvez fosse o longa, pois era um universo complexo e uma obra muito grande, então talvez enxugar a estrutura tornasse viável a história.
Então era isso, o bem, o mal e o Upa, a pelúcia da Nina esteve sempre lá na história. O resto foi mudando, então dois personagens acabaram indo parar em outra série nossa, como se fosse um derivado (risos), a gente os moveu de lugar para que pudéssemos melhor aproveitá-los, eles já não se encaixavam ali.
Sobre a construção de Tellurian, acho curioso como esse mundo carrega tantos cenários distintos e ainda assim consegue manter uma identidade única. Como manter esse universo coeso mesmo com tantos cenários diferentes?
Existe um padrão que a gente resolveu adotar pra manter essa coesão que são os elementos latino-americanos. Por exemplo, o filme tem citação aos sacis, embora não sejam sacis de fato, a indumentária do vilão tem vários aspectos indígenas como penas e uma capa meio xamânica… durante todo o desenho a gente foi inserindo esses pequenos elementos da nossa cultura, não só brasileira como latino-americana, e tentando fazer com que isso fosse o padrão. Assim a gente evitava de sair voando, de que o universo fosse uma coisa muito solta.
Quais foram as referências para os visuais?
Quando você cria alguma coisa você acaba pescando um pouco de todo o lugar. Existem ene referências que podemos citar ali… quando falamos que o filme é uma mistura de “Alice no País das Maravilhas” com “O Senhor dos Anéis” pra dar uma resumida em tudo que o filme oferece, mas você pode fazer vários paralelos. O Upa é um boneco que ganha vida, e você pode encontrar inúmeros paralelos na cultura pop – em “Star Wars” ele seria o equivalente do C3PO, pra ficar no exemplo. A gente tenta pegar um pouquinho de tudo que gostamos e junta tudo.
Em que momento foi decidido que a protagonista saberia andar de skate? É uma parte crucial da narrativa e me divirto que o destino quis que o filme saísse justo em um momento de boom do esporte.
A gente até fez um post nas redes sociais semana passada (risos). A gente sempre visualizou a Nina como molecona, a gente desde o começo não queria um perfil princesinha para ela, mas uma aventureira que curtisse fazer esportes radicais, e o lance dela ser skatista tinha muito a ver com seu estilo, ela tem uma personalidade muito bem definida, e é uma habilidade motora que no fim iria ajudar na resolução. Mas é a ideia da identidade que nos guiou nisso, a gente precisa quebrar o estereótipo, a própria Disney vem fazendo isso… e é uma coisa até engraçada, li outro dia uma crítica que dizia que a gente acaba surfando na onda das protagonistas fortes como se fosse a alternativa fácil, mas na verdade é como te contei, o filme era assim dez anos atrás, isso não tinha ainda. Era o perfil da personagem, era algo que víamos nas ruas e queríamos trazer pro filme. As garotas queriam esse espaço, sair desse estereótipo.
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