SXSW 2021: o ano em que "Blade Runner" encontrou "Black Mirror" • B9

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SXSW 2021: o ano em que “Blade Runner” encontrou “Black Mirror”

Futurologista da NYU reforça perigos e grau das intersecções crescentes da tecnologia com a vida humana

por Juliana Vilhena Nascimento / Managing Director da FCB/Six
Capa - SXSW 2021: o ano em que “Blade Runner” encontrou “Black Mirror”
Imagem: Divulgação

Este é meu décimo SXSW – teria sido o décimo primeiro se o do ano passado não tivesse sido cancelado. Já disse aqui outras vezes que minha principal razão pra ir ao evento é ser tirada da zona de conforto, mas confesso que, nos últimos 3 ou 4 anos, eu vinha sentindo que o evento estava deixando um tico a desejar neste quesito, ainda que continuasse sendo uma ótima fonte de aprendizado. 

Ao longo destes dez anos, houve quatro situações em que saí de uma palestra absolutamente desconcertada. A primeira vez foi quando ouvi que já éramos ciborgues, pela voz do Ray Kurzweil. A segunda, quando entendi que uma pessoa podia ser eterna por meio da tecnologia pelas palavras da Martine Rothblatt. A terceira, quando vi Hugh Kerr apertar botões e suas pernas mecânico-hidráulicas o fazerem mais alto (as originais foram perdidas numa avalanche). E a última, quando ouvi Julian Assange e Edward Snowden falarem sobre privacidade.

Foram momentos que ficaram marcados na minha memória, em que realmente aumentei minha compreensão sobre coisas que até então não passavam pela minha cabeça. E hoje, assistindo a Amy Webb, futurologista quantitativa da NYU, tive outro destes momentos.

Foi um daqueles dias em que nossa visão de mundo parece repentinamente aumentar – e a seguir resumo um pouco do que me fez sentir aquele familiar (e bom) frio na barriga ouvindo-a falar.

1. Primeiro, pela apresentação do conceito “You of Things” – em tradução livre, “Você conectado às coisas”. Neste bloco, Amy começou falando de uma nova geração de wearables com patentes já registradas pelos Big Tech: SmartGlasses, EarPods Biométricos, pulseiras capazes de trackear movimentos com precisão.

Até aí, estava tranquila. Numa segunda camada desta tendência, ela falou de “sleep tech” – edredons que esfriam e esquentam sua cama pra você dormir e acordar, robôs que simulam o calor e as batidas do coração de uma pessoa pra você não achar que tá sozinho durante a noite. Pensei comigo mesma: “ahhhhh, fofo”. 

E aí ela veio com a “pièce de resistance”, começando a falar de “implantable devices” – aparelhos implantados nos nossos corpos e como hoje já é perigoso alguém ter seu marcapasso hackeado. Por isso, já existem patentes de “Bodies as Networks”: imaginem seu corpo como uma rede wi-fi, autocontida e protegida contra hackers. Também há grande avanço nas BCIs – ou interfaces controladas pelo cérebro. E com a camada de “behavioural biometrics” que todos estes aparelhos vão coletar, todas essas coisas estarão nos metrificando, avaliando, cutucando, chamando nossa atenção o tempo todo. 

2. Agora, adicione a isso todas as novas realidades com as quais conviveremos nos próximos anos. Além do AR e do VR, amigos antigos que fiz no SXSW, Amy nos apresentou às Assistive Realities, ou as tecnologias criadas pra nos fazer caminhar melhor pelo mundo. Do Amazon Mesh (conjunto de redes que pode cobrir um bairro inteiro e saber por onde você anda, onde caiu a chave que você perdeu, etc) aos videogames com receita (games que são construídos pra estimular áreas especiíficas do cérebro e só podem ser jogados com prescrição médica), há muitas camadas novas que vão nos ajudar a estender nossos corpos e cérebros nos próximos anos.

Na sequência, ela falou das “Diminished Realities”, as tecnologias que removem estímulos visuais ou auditivos do ambiente. Imagine você poder, com óculos e fones de ouvido, “apagar” de um jantar romântico o casal da mesa vizinha que fala alto e mastiga de boca aberta. #JáSomosCiborgues, diria Kurzweil.  

3. Pra terminar o episódio, Amy falou sobre o avanço das tecnologias de “sintetização”. Por sintetizar, entendam criar versões sintéticas de pessoas: em imagens e vídeos, como já acontece nos deepfakes, cheapfakes e agora em sites como o Alethea e o Synthesia – em que você pode comprar uma versão criança do Obama ou um ator desconhecido e fazê-lo falar e expressar o que você quiser (e essa pessoa não existe, ela foi criada a partir de um conjunto de imagens de outras pessoas!) – ressuscitando pessoas através de software e chatbots. A Microsoft já registrou uma patente que usa os vestígios digitais de pessoas para “recriá-las” em formato de conversas (olha lá a previsão da Rothblatt acontecendo) e até imprimindo DNA através de impressoras como a BioXP 3250. Queremos plantar seringueiras em marte? Basta levar uma impressora pra lá e printar. Saímos da seleção natural para o design biológico.

Como sempre, Amy terminou a palestra com um apelo: pra que a humanidade se conscientize do poder que estas inovações trazem, e que as utilizemos pra estarmos mais preparados, de forma democrática, pro futuro que vem aí. “Preparation, not prediction”.

Você pode ler na íntegra o relatório de Amy Webb aqui.

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