- Cultura 15.mar.2021
Apesar do destaque feminino em 2021, Grammy segue cada vez mais fraco
63ª edição contornou as limitações da pandemia, mas não conseguiu lidar com os próprios problemas internos do prêmio
Já faz alguns anos que as premiações da indústria do entretenimento têm perdido relevância, em um movimento que, pouco a pouco, tem tirado o célebre prestígio de avaliação e reconhecimento dos ditos especialistas e dá espaço a eventos que ainda mantém o status apenas por tradição. Assim como a existência de monarquias que não fazem o menor sentido no século 21, Grammys e Oscars também têm pouca importância numa indústria movida por números gigantescos de streamings, visualizações e cifras. Além disso, grande parte desse enfraquecimento se deve ao engessamento dessas instituições, carregadas de um conservadorismo que ainda perdura apesar dos pequenos acenos de renovação que essas premiações fazem a cada edição.
O Grammy, por sua vez, também sofre pela padronização antiquada do seu próprio formato, ainda limitado a classificar o mercado musical com divisórias estabelecidas sob nomenclaturas de categorias, que apenas dão margem para infinitas discussões à toa sobre gêneros musicais. Neste ponto, o evento dá margem para que o público muitas vezes se mostre incapaz de admitir que seu artista favorito simplesmente transita por uma pluralidade musical mais que saudável.
É por tudo isso que o Grammy se tornou uma celebração da qual esperamos a “polêmica da vez”, a “mea-culpa da vez” e as perfomances – afinal, um belo show a gente nunca recusa. Aqui, a 63ª edição do prêmio contornou como pode as limitações causadas pela pandemia. Diante do cenário de distanciamento social, tivemos algumas apresentações apressadas, como o bloco inicial de shows com Harry Styles, Billie Eilish, HAIM e Black Pumas, que fizeram boas performances, embora reduzidas. Outros artistas contaram com uma produção maior, como Taylor Swift, Silk Sonic, Megan Thee Stallion, Cardi B, que usou um sample de funk do brasileiro Pedro Sampaio no show, e Dua Lipa. Essas performances deram mais corpo à premiação, no melhor estilo do entretenimento que esperamos da cerimônia.
Como mostra a própria lista de apresentações destacada acima, de fato houve um protagonismo feminino nesta edição. Artistas mulheres ganharam todos os principais prêmios da noite: Megan Thee Stallion levou como Artista Revelação e seu hit “Savage”, em parceria com Beyoncé, ganhou por Melhor Performance de Rap e Melhor Música de Rap. Billie Eilish levou Gravação do Ano por “Everything I Wanted”. Taylor Swift ganhou na categoria Álbum do Ano com “Folklore” e H.E.R venceu Música do Ano por “I Can’t Breathe”, clara referência às última palavras de George Floyd, assassinado por um policial nos Estados Unidos em maio do ano passado, fato que impulsionou os protestos do Black Lives Matter.
Beyoncé ganhou em quatro categorias e fez história na edição ao se tornar a mulher que mais venceu no Grammy até hoje. Com 28 troféus ao todo, agora ela tem o mesmo número de prêmios do superprodutor Quincy Jones. Em seu discurso ao receber o prêmio de Melhor Performance de R&B pela música “Black Parade”, Beyoncé disse: “Como artista, acredito que é meu trabalho, e de todos nós, refletir os tempos. E tem sido um momento muito difícil”.
O discurso de Beyoncé lembra bastante o pensamento de Nina Simone na década de 1960. Mas parece que é o Grammy que pouco reflete os seus tempos, ainda que tente, ano a ano, aumentar a diversidade e incorporar pautas atuais.
Quando The Weeknd anunciou em uma entrevista ao The New York Times que não pretende manter qualquer tipo de relação com a Recording Academy, em uma espécie de boicote eterno ao Grammy Awards, ele não foi o primeiro artista a se voltar contra a premiação por considerar suas práticas racistas. Quando Billie Eilish, ao vencer na categoria Gravação do Ano, dedicou totalmente o prêmio à Megan Thee Stallion por “Savage”, ela não foi a primeira cantora branca a reconhecer que o troféu deveria ter ido para uma cantora negra. A própria Beyoncé ouviu isso de Adele, em 2017, quando a britânica venceu a categoria Álbum do Ano com “25”, enquanto Beyoncé concorria com o monumental “Lemonade”.
Se a história se repete é porque, lá no fundo, ela não está sendo alterada.
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