- Cultura 30.mar.2021
Rico Dalasam traz esperança em forma de poesia com “Dolores Dala Guardião do Alívio”
Trabalho parte de experiências pessoais para propor reflexões sociais significativas através de um olhar sobre a afetividade
Ano passado quando Rico Dalasam lançou o EP “Dolores Dala Guardião do Alívio”, o material entrou em nossa lista de Melhores Álbuns Nacionais de 2020, ainda que, efetivamente, o trabalho contasse com apenas 5 faixas. Agora “DDGA” chega completo, com 11 músicas que mantém a coerência de um trabalho que parte de experiências pessoais para propor reflexões sociais significativas. Para além de ser o seu primeiro disco após o cancelamento virtual em 2017, causado por disputas judiciais sobre direitos autorais de uma música em colaboração com Pabllo Vittar, este também é o trabalho mais confessional de Dalasam, e por isso causa sensações múltiplas no ouvinte.
“DDGA” é um álbum delicioso de ser ouvido do início ao fim, mas isso não significa que sua temática seja leve. Pelo contrário, há uma ideia de interdependência entre dor e alívio que é a base da obra. Assim, nos deparamos com diversas situações de frustração e relações nem sempre legais, mas também muita esperança e sensatez para lidar com tudo isso. As composições modernas se valem do cotidiano com letras de situações acessíveis, como em “Última Vez”, o que cria no ouvinte uma identificação com Dalasam ainda que o trabalho seja totalmente sobre a intimidade do artista, e que as realidades de cada um sejam totalmente diferentes. E identificação, é bom lembrar, é uma das bases para gerar empatia.
“DDGA” é um álbum delicioso de ser ouvido do início ao fim, mas isso não significa que sua temática seja leve.
Também é através do olhar cotidiano que Dalasam aborda temas como a afetividade negra e LGBTQ+, racismo, silenciamento, relações interraciais, neocolonialismo, desigualdade social e outras questões sensíveis que estão imersas no álbum, embora sejam tratadas com uma percepção ímpar. Essa sensibilidade é resultado de um trabalho poético do cantor, claramente muito mais interessado em entregar conteúdos do que impressionar com rimas. As belas faixas “Expresso Sudamericah” e “Vividir” são exemplos desse cuidado de Dalasam com as palavras e seus significados, não seus impactos.
Há uma ideia de interdependência entre dor e alívio que é a base da obra.
Embora o início de “DDGA” lembre a atmosfera de “Amarelo”, álbum de Emicida lançado em 2019, a sonoridade geral adotada por Rico Dalasam tem características bem próprias. Ele usa de pop, rap, funk e pagodão, mas em um andamento mais lento que traz melancolia às músicas. O principal hit do disco, “Braille” sintetiza esse rap-funk-melódico da produção, que também conta com a participação de nomes como Mahal Pita, conhecido colaborador do BaianaSystem.
Já os interlúdios presentes ao longo do disco, embora tenham um papel quase que didático de ambientação da história, quebram bastante a sequência musical e acabam se tornando um acessório dispensável. Essa quebra afeta, inclusive, a última faixa, “Estrangeiro”, que acaba sendo a que menos chama atenção no geral.
“DDGA” é sobre uma afetividade que, num primeiro momento, pode parecer apenas interpessoal, mas que posteriormente se estende para as instituições sociais. Em conversa com o Mamilos, Rico Dalasam explica o álbum como uma fábula afro-latina sobre a afetividade do povo negro na América Latina. Além disso, esse é um álbum sobre alívio, perspectivas e esperança. “A gente ainda é a parte viva do mundo” diz o músico já na introdução do álbum. E este é o momento perfeito para nos lembrar disso.
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