O pecado de “Um Príncipe em Nova York 2” é ser um baita filme sem graça • B9

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Capa - O pecado de “Um Príncipe em Nova York 2” é ser um baita filme sem graça

O pecado de “Um Príncipe em Nova York 2” é ser um baita filme sem graça

Continuação não tem nuances culturais ou humor assertivo do clássico de John Landis

por Matheus Fiore

“Um Príncipe em Nova York” se eternizou como uma das melhores comédias hollywoodianas dos anos 80 e como um dos melhores trabalhos da carreira de Eddie Murphy. Graças à direção de alto nível de John Landis, a comédia que mostra o príncipe de um reino fictício africano à procura de uma esposa no Queens não só acerta sempre no timing cômico como consegue falar (como poucas comédias contemporâneas) sobre classes sociais e a maneira que elas afetam as relações afetivas. A continuação, lançada trinta e três anos depois, naturalmente é uma das comédias mais aguardadas dos últimos anos. Mas com a jornada de Akeem bem resolvida ao fim do longa de 88, para onde levar essa história?

A premissa é até simples: Akeem descobre ter um filho perdido no Queens e volta para Nova York a fim de se aproximar do jovem Lavelle Johnson e levá-lo para seu reino, já que o rapaz é, pela tradição de Zamunda, o único herdeiro legítimo do trono. Se parte da graça de “Um Príncipe em Nova York” está em vermos um Akeem sonhador e inocente em contraste com uma cidade caótica e cruel, a sequência tenta fazer o oposto e levar a figura do jovem espertalhão (Lavelle) para o reino da inocência. Isso, claro, faz com que a maior parte do filme se passe em Zamunda, e não no Queens.

Craig Brewer (à direita) orienta o elenco no set

Apesar de parecer promissora, a inversão de cenários para construir uma nova narrativa de diferenças culturais não vai pra frente. O filme até começa bem, principalmente por saber usar os personagens da obra de 1988 para evocar nossa nostalgia. Do momento em que Akeem pisa no Queens para encontrar seu filho, porém, “Um Príncipe em Nova York 2” nunca mais se recupera. Se até ali o filme sobrevivia de forma digna pela nostalgia, dali em diante tudo é feito com tanto comodismo e desinteresse que há momentos em que Eddie Murphy parece estar… triste. O uso de Zamunda também não é dos melhores, já que tudo no reino parece tão genérico que é difícil que a relação entre Lavelle e Zamunda sequer seja sombra do que foi com Akeem e Nova York.

A sensação é a de que foi pensado um fio de história bem simples para que, sobre ela, fosse construída uma comédia de diferenças culturais que a todo momento revivesse o espírito do clássico. Não revive, justamente por Zamunda não parecer um lugar vivo, pulsante, e sim um cenário de esquetes. Além disso, não há frescor, não há originalidade, não há muito que sustente a nostalgia, que parece não ter pegado o voo de volta para Zamunda com Akeem. O diretor Craig Brewer, que cuida da continuação depois da parceria com Murphy em “Meu Nome é Dolemite”, parece não entender que o que fez do trabalho de seu antecessor bem sucedido não era apenas as piadas, mas o contexto delas – espacial, cultural e político.

Zamunda não parece um lugar vivo, pulsante, e sim um cenário de esquetes

Em “Um Príncipe em Nova York”, há uma cena na qual Akeem, ao se descobrir apaixonado, corre pelas ruas do Queen cantando e gritando seu sentimento enquanto os moradores do bairro o xingam e pedem para calar a boca. Está escancarado na cena tudo que torna o filme de Landis especial: a inocência do protagonista contrastada com a malícia do mundo e essa diferença de percepção das classes sociais – o rico celebrando algo simples de sua vida enquanto os pobres simplesmente querem dormir para acordar cedo e trabalhar. Essas nuances simplesmente inexistem na continuação. Até os 45 do segundo tempo, sequer sabemos com certeza por quem Lavelle está apaixonado.

É por menosprezar a própria força de seu antecessor e não conseguir aproveitar nem mesmo o que trouxe de bom dele – o Semmi de Arsenio Hall é um mero adereço de decoração no filme – que “Um Príncipe em Nova York 2” acaba sendo muito mais um esforço para ordenhar o sucesso do clássico do que uma tentativa real de explorar melhor o universo ou trazer quaisquer novas ideias. Até quando questiona as posições de poder de seus personagens e põe a monarquia em crise, o filme de Brewer é tão insípido que parece nem estar de fato interessado nesses assuntos, o faz apenas para dizerem que fez.

Até quando questiona posições de poder dos personagens e põe a monarquia em crise o filme de Brewer é insípido

E não precisamos nem entrar no mérito das piadas um pouco datadas que se repetem aqui – sexo não consentido, por exemplo, está lá no mínimo umas três vezes durante o filme. Porque “Um Príncipe em Nova York 2” não consegue nem mesmo construir boas piadas baseado na desconstrução dessas ideias, algo que seu antecessor conseguiu com inteligência e uma visão muito mais crítica para as situações. Nem mesmo o militarista vivido por Wesley Snipes – diga-se de passagem, a única pessoa que parece estar se divertindo com o filme – consegue ser utilizado por Brewer para além de cenas que mais parecem uma esquete de um programa de televisão de quinta categoria.

Porque por mais que soe misógino em vários momentos, os problemas de “Um Príncipe em Nova York 2” são muitos além desse, alguns exclusivamente formais. Enquanto Landis explorou as nuances conteudisticas de seu filme em uma comédia que tinha o timing perfeito e a perspicácia de variar do humor pastelão para o drama sério com um corte, o de Brewer é apenas a sombra de uma comédia que tenta virar franquia. Na era em que a estética não importa e sim o “conteúdo”, nem nisso “Um Príncipe em Nova York 2” se salva. Porque seu maior crime nem é o fracasso de sua pretensão ideológica, mas de ser um baita filme sem graça.

“Um Príncipe em Nova York 2” está disponível no Amazon Prime Video.

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