- Cultura 8.dez.2020
Com sensibilidade e aula de história, Emicida mostra poder do coletivo em “AmarElo – É Tudo Pra Ontem”
Como no álbum do ano passado, documentário da Netflix é sobre luta, esperança e o quanto as duas só podem se manter com união
Quando lançou o álbum “AmarElo” em 2019, Emicida prometeu uma sequência de conteúdos multiplataformas como complemento do disco, que incluíram coisas como o projeto “Amarelo Prisma” lançado em maio. Agora, um novo conteúdo chega ao público na forma de “AmarElo – É Tudo Pra Ontem”, documentário lançado pela Netflix com realização da Laboratório Fantasma, produção de Evandro Fióti e direção de Fred Ouro Preto.
Assim como o álbum, o documentário é calcado na sensibilidade e, enquanto dá uma aula de história sobre a contribuição da comunidade negra na cultura brasileira, também mostra o processo de produção do disco e do show de Emicida no Theatro Municipal de São Paulo, que aconteceu em novembro do ano passado. Segundo Emicida e Fióti, o filme foi pensando com base no triângulo “AmarElo + Samba + Modernismo”, que cria uma linha de raciocínio que passa por arte, política, astrofísica e outros temas.
Fundamentalmente, o documentário passeia pela história da cultura negra e sua profunda contribuição na formação da identidade brasileira. Para quem esqueceu o conteúdo dos livros de história do Brasil, Emicida relembra que nosso país foi o último do continente americano a abolir a escravidão. O mergulho no passado da história negra aborda do surgimento da periferia à criação do samba e do hip hop, e funciona como o pano de fundo para entendermos a própria história de Emicida, embora esse não seja o foco do material. Podemos sim conhecer um pouco mais da intimidade e do processo criativo do rapper, mas “AmarElo – É Tudo Pra Ontem” é muito mais sobre o coletivo do que sobre o próprio Emicida.
Coletividade é a base do álbum – bem representada pelas colaborações preciosas que vão de Zeca Pagodinho à Fernanda Montenegro. Com o documentário podemos ver em detalhes as pessoas e histórias coletivas que deram origem a cada faixa do trabalho. E, embora todas as histórias sejam cativantes, é difícil não se emocionar com a narrativa que envolve a criação da música “Quem tem um amigo (tem tudo)”, fundamentada na amizade de Emicida e o baterista Wilson das Neves.
Podemos ver em detalhes as pessoas e histórias coletivas que deram origem a cada faixa do trabalho
Esteticamente, o documentário mantém o bom gosto escolhido para a sua narrativa, e mescla imagens de acervo obtidas com instituições como o Instituto de Pesquisas e Estudos Afros Brasileiros, imagens captadas pela Lab Fantasma durante a produção e gravação do álbum, e animações, algo que confere ao material um ar de HQ, com histórias e personagens que se misturam em uma grande teia que forma o ontem, o hoje e o amanhã, simultaneamente.
Em entrevista ao B9, Emicida disse que os acontecimentos caóticos de 2020 deixaram o álbum “Amarelo” com uma sensação de “psicografado”, o que faz todo sentido. O grande single do projeto, “AmarElo”, que usa o sample de “Sujeito de Sorte” de Belchior, trouxe a sensação de “resumo de 2019”, mas nós realmente não sabíamos o que 2020 reservava para a humanidade. A jornada de luta e esperança que a música aborda faz ainda mais sentido neste ano: perante uma pandemia, em muitos momentos a única coisa que nos restou foi a esperança de tudo passar e melhorar.
Histórias e personagens se misturam em uma grande teia que forma o ontem, o hoje e o amanhã
Assim como o álbum do ano passado, “É Tudo Pra Ontem” é sobre luta e esperança, e o quanto as duas só podem se manter com união. Quando Emicida explica o porquê de realizar o show especial no Theatro Municipal de São Paulo – simbolizando a ocupação da comunidade negra nos lugares que sempre lhes foram negados – estamos novamente falando sobre luta e esperança.
Ao ocupar o Municipal, o rapper agradece àqueles que lutaram por isso décadas antes, como os integrantes do Movimento Negro Unificado. Ao mesmo tempo, enquanto se apresenta ao lado de Majur e Pabllo Vittar, por exemplo, Emicida abre portas e janelas de esperança para que as gerações futuras possam também ocupar todos os lugares, com diversidade e representatividade.
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