- Cultura 3.jul.2020
Em temporada mais fraca, “The Sinner” continua levando ao limite os conflitos morais
Mais parada e com momentos dispensáveis, história do 3° ano traz bons questionamentos sobre padrões sociais, relações tóxicas e limites
Lançada em 2017, a primeira temporada de “The Sinner” foi inicialmente pensada como uma minissérie baseada no livro de Petra Hammesfahr. Talvez por isso ela ainda seja a melhor de todas, mesmo que as temporadas posteriores, calcadas em explorar a complexidade do detetive Harry Ambrose (Bill Pullman), tragam histórias intrigantes e de muitos conflitos morais.
Dito isso, a terceira temporada é a que mais explora o lado sombrio de Ambrose, indo além de seus fantasmas do passado e da sua obsessão pelo trabalho. O assassino da vez, Jamie Burns (Matt Bomer), leva o detetive ao limite – da empatia, da curiosidade e da ética. Ambrose quer respostas, como sempre, sabe que há muito mais coisas escondidas na história do que os fatos apresentados, mas tem dificuldade de aceitar que as explicações fogem à sua lógica.
Jamie é um professor com uma vida classe média aparentemente feliz e tranquila, bem casado, prestes a se tornar pai e com pinta de galã. Ele acaba na mira de uma investigação comandada por Ambrose depois de sofrer um acidente mal explicado, no qual sai praticamente ileso enquanto seu amigo, Nick Hass (Chris Messina), morre. É a partir daí que as vidas de Jamie e Ambrose se cruzam, enquanto o detetive tenta provar que o acidente foi um crime, em uma jornada novamente obsessiva – e cheia de decisões muito questionáveis – na busca pela verdade e pelo entendimento das motivações de Jamie.
A história do caso resgata um clássico atemporal da sociedade: a dificuldade de enxergar como criminoso alguém que não se encaixa no padrão estereotipado e preconceituoso de bandido. Não são poucos os exemplos reais de assassinos que ganharam a empatia do público justamente porque aparência e classe social falaram mais alto que a aceitação dos fatos, desde o serial killer Ted Bundy até Suzane von Richthofen no Brasil. Em casos assim, a busca pelos porquês se torna ainda mais incessante, numa tentativa de explicar que aquilo é uma injustiça ou uma exceção, uma vez que o “mal” não pode ter uma cara diferente.
Essa relação de atração pelo assassino é bem representada por Sonya Barzel, personagem interpretada por Jessica Hecht. Há vários momentos nos quais o espectador pode pensar “mas, minha filha, o que é que você tem na cabeça?” ao ver certas atitudes de Sonya em relação a Jamie, mas suas ações nos levam a descobrir um pouco mais da personalidade do protagonista de uma forma até mais natural que na relação dele com Ambrose.
Quanto a Ambrose, sua atração por Jamie é mais por encontrar alguém tão complexo quanto ele mesmo ou com monstros interiores tão parecidos. Enquanto finalmente vamos entendendo a amizade conturbada de Jamie e Nick desde a época da faculdade – depois de uma boa enrolação nos primeiros episódios – também enxergamos as semelhanças entre criminoso e detetive. Ou, pelo menos, como apesar de terem motivações diferentes, o impulso cheio de adrenalina que faz ambos se arriscarem é o mesmo.
O espectador também pode passar por seus conflitos internos, como para definir se Jamie é só vítima de uma amizade abusiva ou se o seu entendimento da filosofia de Nietzsche e do conceito “Übermensch” (que fala sobre encarar o abismo) é algo no qual ele se descobriu. Vale dizer aqui que Matt Bomer tem uma surpreendente atuação bem satisfatória na série, enquanto Chris Messina é realmente emblemático e hipnótico como Nick.
Nada é mais incômodo do que acompanhar as ações do detetive Ambrose, porém, que dessa vez abre mão completamente de qualquer bom senso na relação com seu investigado. Inclusive, o principal conflito moral levantado pela terceira temporada de “The Sinner” vem com seu ato final, num questionamento se a história teria sido mesmo aquela não fosse a interferência de Ambrose. Bill Pullman, mais uma vez, entrega uma atuação competente. Por vezes, capricha tanto em deixar seu personagem ainda mais irritante, que até o sugestivo problema no ciático nos tira a paciência. Temos mais empatia com o assassino que também é vítima ou com o policial que não tem limite algum?
No geral, a temporada é muito mais parada que as anteriores, e com diversos momentos dispensáveis, especialmente até o episódio 4. Ainda assim, os incômodos e conflitos apresentados pela trama nos levam a bons questionamentos sobre padrões sociais, relações tóxicas e limites. E, claro, a sensação final que todas as temporadas de “The Sinner” nos deixa: todo mundo ali precisa seriamente de algumas sessões de terapia.
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