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Enquanto Cannes anuncia “seleção” em junho, Netflix vai pular circuito de festivais este ano

Filmes de David Fincher, Charlie Kaufman e Ron Howard vão seguir exemplo de "Destacamento Blood" de Spike Lee e sair direto no streaming

por Pedro Strazza

Entre outras (tantas) coisas, o impacto do coronavírus no globo gerou uma paralisação quase que total na indústria do audiovisual, incluindo não apenas o congelamento pleno da distribuição nos cinemas como a suspensão de diversos festivais, incluindo eventos gigantes como o SXSW, Locarno e Cannes. Com o primeiro semestre inteiro perdido, o circuito e os principais envolvidos começam a preparar planos sobre como proceder para salvar o resto do ano para o meio – e cada um tem uma resolução diferente e contraditória com a próxima, é claro.

O Festival de Cannes, por exemplo, já anunciou que no próximo dia 3 de junho deve colocar na rua o seu projeto de “seleção oficial” para destacar ao circuito produções que estavam previstas para participar da edição deste ano do evento e impulsionar assim a atenção midiática em torno dos projetos. De acordo com a Variety, serão 50 títulos anunciados na iniciativa e escolhidos inicialmente para participar da mostra principal e as paralelas Um Certo Olhar e a Semana da Crítica, incluindo o “The French Dispatch” de Wes Anderson, “Comes Morning” de Naomi Kawase, o “Another Round” de Thomas Vinterberg, “Ete 85” de François Ozon e o “Memoria” de Apichatpong Weerasethakul.

Há ainda filmes “menores” confirmados para aparecer na lista como “John and the Hole”, “Passion Simple”, “Slalom” e o “Mainstream” de Gia Coppola, com a organização afirmando ter planos de anunciar uma lista mais “equilibrada” entre diretores homens e mulheres. Também existem rumores de que o “On the Rocks” de Sofia Coppola estaria em negociações finais para tomar esse rumo, com interesse evidente da Apple e da A24 em trazer os holofotes para o primeiro fruto de sua parceria.

Todos estes filmes serão oferecidos a outras mostras para serem exibidos em conjunto com Cannes independente de estarem ou não envolvidos em seções competitivas destes – como Toronto, que tinha planos de ser “o festival dos festivais” há um tempo – mas um que já confirmou preferir ficar de fora da negociação é o festival de Veneza. Além de ter confirmado a realização do evento no segundo semestre – mesmo depois de todo o impacto da pandemia no país, com a Itália sendo um dos países que mais sofreu com a doença no início do ano – a organização já negou uma colaboração com o evento francês e inclusive tem buscado “roubar” projetos escolhidos por lá para sua programação. Dentre os projetos originalmente previstos para Cannes e que agora estão em Veneza há “Tre Piani”, do italiano Nanni Moretti, e “DNA”, da francesa Maïwenn.

Há também quem tenha preferido pular por completo o circuito enquanto o cenário de crise na saúde global não se estabilizar. E o principal nome neste plano de negócios é a Netflix, que de acordo com a Indiewire já teria batido o martelo sobre não enviar talentos e filmes a qualquer evento previsto para o resto do ano, mantendo apenas um apoio financeiro estratégico a alguns festivais.

A decisão sem dúvida segue a lógica do anúncio recente de lançar o “Destacamento Blood” de Spike Lee em junho e as medidas recentes anunciadas pelo Oscar e o Globo de Ouro para suas regras de eligibilidade, mas afeta uma porção significativa de projetos altamente esperados. Só entre as produções mais alardeadas há “Mank”, que marca o retorno de David Fincher às telonas depois de seis anos; “I’m Thinking of Ending Things”, o novo filme de Charlie Kaufman; o drama “Ma Rainey’s Black Bottom” estrelado por Viola Davis, Denzel Washington e Chadwick Boseman; e o “White Tiger” de Ramin Bahrani.

Há ainda projetos no estúdio que devem ser adiados de vez para 2021, como o “Blonde” de Andrew Dominik que serve de nova cinebiografia de Marilyn Monroe e talvez seja mirado para a temporada de festivais do ano. É um plano que outras produções fora da Netflix também tem escolhido seguir, em especial os antecipadíssimos “Annette”, de Leos Carax, e “Benedetta”, de Paul Verhoeven.

O problema comum em todos os cenários parece ser mesmo a questão da disponibilidade destes projetos após sua passagem (ou não) pelo circuito de festivais. Com o globo fragmentado perante os diferentes processos de combate à pandemia e a esmagadora maioria dos cinemas ainda fechados, ninguém sabe como estes filmes conseguirão chegar a todo o público, um desafio de distribuição que talvez sintetize boa parte desta parcela da indústria neste momento enquanto outros longa-metragens estão paralisados na fase filmagens ou em sua pós-produção.

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