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Com “Gigaton”, Pearl Jam presenteia fãs enquanto pondera sobre o caos mundial

Apesar do alarmismo do público, trabalho é o mais relevante da banda nos últimos anos

por Soraia Alves

O Pearl Jam vai trintar, e isso é mais que uma data simbólica sobre o surgimento da banda. Ser um artista que se mantém relevante há 30 anos ou mais não é tarefa fácil, mas é o que a banda tem feito até hoje com shows indiscutivelmente lotados, a presença como destaque nos maiores festivais do mundo e com trabalhos que ainda trazem impacto para a indústria do entretenimento, afinal, seu último disco de 2013, “Lightning Bolt”, levou até um Grammy (na categoria Best Recording Package).


Mas entre os desafios de manter uma carreira tão longa está o inevitável enfrentamento de expectativas dos fãs a cada lançamento, uma base de ouvintes tão plural que engloba, inclusive, diferentes gerações, desde aqueles que acompanharam o começo de tudo até o “novo fã” já nascido em meio a um status privilegiado de sucesso da banda. E agradar a todos é impossível. Ou quase impossível, uma vez que “Gigaton” chega muito, mas muito perto disso.


Com seus hits de estádio, “Lightning Bolt” foi uma decepção para grande parte do público. Quando, sete anos depois, o Pearl Jam anunciou o lançamento do seu 11º álbum de estúdio e divulgou o primeiro single, “Dance of the Clairvoyants”, instalou-se o alarmismo seguido do pessimismo. A mistura de uma linha de baixo Funky, guitarra pós-punk e base eletrônica, com referências de Talking Heads a The Killers, foi o suficiente para muita gente bater o martelo: “vem aí o pior álbum do PJ”. Afinal, são tempos de pouca maturação de ideias e muitas certezas precipitadas.



Mas “Gigaton” não é o pior álbum do Pearl Jam, pelo contrário, é o trabalho mais empolgante da banda em anos.

O desastre esperado é, na verdade, um álbum completo, equilibrado, que contempla todas as gerações de fãs da banda sem parecer uma grande junção do que “restou” dos anos anteriores, mas que também tem em si raízes de “Yield” (1998), “Riot Act” (2002), “No Code” (2006) e “Backspacer” (2009).

Como todo bom disco, a sequência das faixas faz toda a diferença. Com “Who Ever Said”, “Superblood Wolfmoon”, “Dance of Clairvoyants” e “Quick Escape” temos um começo de muita energia, riffs deliciosos, euforia e referências ao grunge e ao rock dos anos 1970. Mesmo a temida “Dance of Clairvoyants” é um ótimo exemplo de como a banda ainda pode entregar algo fora do óbvio e de sua própria zona de conforto.



Eddie Vedder fala sobre o caos do planeta e da sociedade como quem analisa a própria trajetória de decisões acertadas e equivocadas. O que não deixa de ser poético. Isso dá um toque diferencial, por exemplo, às menções ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que já é figura conhecida de canções de vários artistas. Mas Vedder não precisa chamar Trump de idiota para ser crítico (como muitas músicas têm feito). Na intensa “Quick Escape”, com toques de Led Zeppelin e um combo completo de baixo, guitarra e bateria, a crítica vem da própria jornada de fuga do homem para outro planeta: “Até onde tivemos que ir para encontrar um lugar que Trump ainda não tenha ferrado”.

Mesmo nos momentos em que “Gigaton” respira com mais calma, como em “Alright”, Seven O’Clock”, “Buckle Up”, “Comes Then Goes” e a reaproveitada “River Cross”, os recados são mais sobre resistência e esperança que sobre qualquer tipo de alívio. Evocando os trabalhos solos de Eddie Vedder, esses também são os momentos mais contestáveis do álbum, embora contemplem os fãs que apreciam a vibe “Into the Wild”. Para alguns, pode até parecer que houve uma sobreposição do pessoal sobre o coletivo, mas dentro do contexto todo o resultado é harmonioso, mesmo com “Seven O’Clock” sendo um tanto insossa e “Buckle Up” configurando como o ponto mais fraco e ordinariamente óbvio do disco todo.

Para além de ser o trabalho mais relevante do Pearl Jam nos últimos anos e um presente para os fãs de qualquer fase da banda, “Gigaton” nos deixa a lição sobre o estrago que a urgência por opiniões e certezas tem feito na sociedade. Nos versos da sublime “Retrograde”, Vedder nos lembra que nada é estático e quanto mais erros cometemos, mais chances temos de acertar posteriormente. É evidente, porém, que é necessário refletir sobre cada comportamento para conseguir melhorar as coisas, seja no planeta, nas democracias ou no simples julgamento precipitado de qualquer coisa. Com sorte, as mudanças não levarão novos 30 anos para acontecer.

nota do crítico


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