9 indicados ao Oscar 2020 que você talvez não tenha visto (mas deveria)
Três documentários, três animações, dois indicados a Filme Internacional e dois concorrentes menores das categorias principais formam a lista
// Seleção por Matheus Fiore e Pedro Strazza
Acontece no próximo domingo, 9 de fevereiro, a 92° edição dos Academy Awards, o prêmio concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que o mundo inteiro conhece como Oscar. Em 2020 acontecendo um pouco mais cedo graças a um pacote de medidas da entidade para renovar a cerimônia frente as urgências dos novos tempos, a estatueta encerra este ano uma temporada de premiações mais curta mas não por isso despida de surpresas, conforme a expectativa para o anúncio do grande vencedor da noite ainda é bastante alta – afinal, será “1917”, “Parasita” ou um terceiro candidato que deve levar de surpresa a honraria de Melhor Filme da noite?
Aqui no B9 a cobertura mais uma vez intensa. Além da cobertura dos principais prêmios que conduzem as atenções de todo o planeta para o palco do Teatro Dolby em Los Angeles, novamente todos os indicados à categoria de Melhor Filme ganharam as devidas atenções no site, incluindo o favorito da noite “1917”, o queridinho “Adoráveis Mulheres”, o controverso “Coringa”, o divisivo “Era Uma Vez em… Hollywood”, o inesperado candidato “Ford vs Ferrari”, o tocante “História de um Casamento”, o sucesso de público “Jojo Rabbit”, o mastodonte “O Irlandês” e o fenômeno “Parasita”.
Além deles, outras 11 produções que ganharam as atenções dos votantes da Academia também foram contemplados pelo site ao longo do último ano, incluindo “Ad Astra”, “O Caso Richard Jewell”, “Dois Papas”, “Entre Facas e Segredos”, “O Escândalo”, “O Farol”, “O Rei Leão”, “Rocketman”, “Star Wars: A Ascensão Skywalker”, “Toy Story 4” e “Vingadores: Ultimato”.
Agora, como no ano passado, o B9 elenca outros nove filmes indicados ao Oscar 2020 que podem ter passado batido pelo radar do público nos últimos tempos, mas que merecem serem vistos, discutidos e comentados como todos as produções elencadas acima. A lista como de hábito é diversa e inclui projetos celebrados no circuito de festivais e obras concebidas para a temporada de prêmios que escapam um pouco do estigma de “isca do Oscar”. Confira a seguir.
“For Sama”
Um dos dois filmes sobre o sítio de Alepo na Síria que foram indicados ao Oscar de Documentário este ano (o outro é o “The Cave” de Firas Fayyad), “For Sama” se sobressai a outros registros dos horrores passados na região pelo caráter pessoal atribuído pela diretora Waad al-Kateab ao projeto. Seu relato do avanço da guerra na área e as transformações drásticas da rotina da cidade é uma de suas principais ferramentas para levar o espectador para dentro do sofrimento passado pelo país em meio à guerra civil, um que só é acentuado pela narração concebida como uma longa carta de Waad à filha, a Sama do título que nasceu durante os bombardeios do conflito.
O filme co-dirigido por Edward Watts não deixa de tratar dos temas que são típicos do gênero, mas é este envolvimento que permite que a produção vá além da documentação do sofrimento e alcance de fato os temas mais humanos, incluindo o sentimento de dor explícito na questão de um povo que se vê na difícil posição de precisar abandonar sua própria cidade para sobreviver. Não à toa, o desfecho de “For Sama” está neste ato de partida, uma situação que Waad, seus amigos e familiares adiam até o possível porque sua vida – e logo sua identidade – está na região. Decerto um dos indicados deste ano mais difíceis de se assistir, ainda que felizmente longe dos fetichismos por violência e desumanização que caracterizam outras produções celebradas do circuito. (P.S.)
“Harriet”
Lançado no último Festival de Toronto e um dos primeiros esforços mais notáveis da indústria hollywoodiana em trazer para as telonas a vida de Harriet Tubman, “Harriet” segue bastante a cartilha esperada por este tipo de cinebiografia. O longa de Kasi Lemmons busca fazer um apanhado geral da história da ativista abolicionista que lutou na Guerra Civil dos EUA e cai um pouco na armadilha de privilegiar o caráter informativo da produção em detrimento de um olhar mais específico sobre a personagem – é o tipo de produção que se contenta em “refazer a trajetória”, mostrando a origem de Tubman e como ela saiu da condição de escrava para se tornar em um dos soldados mais importantes da União.
Seria um resultado enfadonho se o trabalho de atuação de Cynthia Erivo (que lhe rendeu uma justa indicação ao Oscar de Atriz) e a própria direção de Lemmons não abraçassem parte do lado mitológico de sua personagem, uma figura que se tornou icônica não apenas por seus esforços de resgatar negros da escravidão no sul do país mas também pelas “visões de Deus” que a forneciam as orientações necessárias para suas missões. Neste sentido o filme chega até a aspirar um pouco o cinema de John Ford ao fazer o retrato de Tubman por sua via mais heroica, canalizado neste misticismo que faz todo o sentido para uma produção destas e até deixa um gostinho de quero mais – ou pelo menos mantém “Harriet” assistível. (P.S.)
“Honeyland”
Primeiro filme a concorrer simultaneamente nas categorias de documentário e a recém-rebatizada “Filme Internacional”, o representante da Macedônia do Norte na corrida do Oscar deste ano impressiona muito pelas imagens que registra a partir de uma premissa relativamente simples. O longa de Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov acompanha a história de uma pobre apicultora cuja pacata rotina na área rural do país passa por mudanças severas a partir do momento que uma família de agricultores nômades se instala na região.
É a maneira como é feito o acompanhamento deste cenário que salta aos olhos na produção, muito porque a narrativa permeia todo tipo de discussão envolvendo a lógica exploratória do capitalismo e a noção de um desenvolvimento sustentável a partir de uma lógica de observação um tanto complexa de se atingir – quem gosta de ficar imaginando como os planos foram feitos deve ter um passatempo e tanto aqui. A “personagem” principal da história de “Honeyland” também ajuda muito neste magnetismo, não só porque seu perfil escapa por completo do que o público se habitua a ver em produções do tipo mas também por seu conforto perante a câmera dos diretores, o qual permite que todo tipo de imagem fantástica seja registrada. (P.S.)
“Indústria Americana”
Na disputa do Oscar de Documentário, “Indústria Americana” parece ser um forte candidato ao prêmio. O filme de Steven Bognar e Julia Reichert está disponível na Netflix e foi exibido pela primeira vez no Festival de Sundance do ano passado.
O filme parte da história de uma pequena fábrica em Ohio, nos Estados Unidos, para analisar como a tecnologia e o capitalismo interferem tanto nas evoluções tecnológicas quanto nas relações empregatícias dos funcionários do lugar. O interessante é perceber como a obra parte de um cenário de esperança, no qual os funcionários acreditam que finalmente realizarão o “sonho americano” e terão estabilidade financeira, para aos poucos mostrar como no fundo os únicos interesses atendidos são os dos empresários.
Outro acerto é a ideia de trabalhar tanto os micro quanto os macro conflitos em jogo. “Indústria Americana” acompanha desde as rivalidades entre os funcionários americanos e chineses – rivalidade essa abastecida pela xenofobia dos americanos – até a disputa política capitalista entre os EUA e a China. Com isso, temos uma obra que constrói um panorama sobre as diferenças culturais e disputas que podem até parecer pertencer aos trabalhadores mas, no fundo, operam apenas a favor os interesses do capital. (M.F)
“Klaus”
Primeira animação original da Netflix, “Klaus” se tornou o grande favorito para o Oscar da categoria de longas por dois motivos maiores. O primeiro é o trabalho inovador e fascinante de animação bidimensional, que consegue gerar um efeito consistente de 3D sem nunca recorrer ao CGI – algo que não apenas a separa de “Homem-Aranha no Aranhaverso” mas é inédito na história.
Já o segundo é sem dúvida a simpatia da história contada no filme de Sergio Pablos, ainda que o caráter tenro do conto natalino do longa esconda algum viés mais forte. A trama sobre a cidade dividida por uma histórica briga entre duas famílias que se une mais uma vez graças ao Natal não deixa de repercutir em si alguns traços macabros do capitalismo, afinal: os problemas começam a ser resolvidos quando um carteiro decide se “salvar” daquele local estimulando as crianças a enviar cartas ao Klaus do título pedindo os brinquedos que ele fabrica, e a partir do momento que o protagonista percebe isto ele passam a moldar ao seu interesse o código de conduta dos habitantes a partir dos pequenos – a parte mais divertida talvez seja a origem do carvão para as má educadas, neste sentido.
O conforto da história infantil, porém, mantém o filme palatável para as audiências que almeja, envolvendo todos os processos de formação em uma trama que em seus melhores momentos busca relembrar a “magia” dos sucessos antigos das animações da Disney. (P.S.)
“Link Perdido”
“Link Perdido” não é exatamente o melhor filme que a Laika Studios produziu em sua curta história. Ao contrário de produções anteriores como “Kubo e as Cordas Mágicas” e o próprio “Coraline”, a animação comandada por Chris Butler almeja uma premissa digna das aventuras clássicas ao acompanhar a história de um explorador que busca ajudar o Pé-Grande a sair de seu isolamento e encontrar uma família e um lar, mas a narrativa cai em batidas infantis demais para chegar ao ponto que quer – é mais um filme infantil que se basta em piadas de pum, por exemplo.
O que segura o longa de um possível desmanche, porém, é que, como todos os outros projetos do estúdio, o trabalho da produção no departamento de stop-motion é extraordinário, ainda mais por ser aplicado em uma história tão epopeica quanto esta. É um verdadeiro desafio do ideal típico de premissas desambiciosas ou em formato de conto (como o próprio “Kubo”) que caracteriza esta arte, um que a Laika desempenha em estado de graça: o uso das mais diferentes técnicas para dar vida aos cenários grandiosos da aventura chama muito a atenção porque mesmo nestas condições o filme ainda consegue manter um nível alto de detalhes sobre os ambientes, algo que enche os olhos de qualquer espectador mesmo em uma história tão simples. (P.S.)
“Os Miseráveis”
Junto de “Bacurau” o grande vencedor do prêmio do júri do último Festival de Cannes, “Os Miseráveis” chega ao Oscar de Filme Internacional um pouco diminuído pelas presenças maciças de “Parasita” e “Dor e Glória” (os outros dois campeões do festival que brigam claramente pela estatueta). Quem decidir ou decidiu prestigiar a estreia do francês Ladj Ly em longas de ficção, porém, deve se surpreender com uma produção das mais encorpadas, que tira inspiração direta do livro homônimo de Victor Hugo para fazer um novo retrato da região de Montfermeil.
A forma como Ly navega pela cidade para contar a história de atritos entre o povo e a polícia da cidade é o grande destaque aqui. O registro “naturalista” das tensões entre as gangues, unidades de vigilância e as crianças é a base para um filme que sabe utilizar de seus recursos para localizar o espectador no mapeamento da região, incluindo planos de drone que em nenhum momento soam artificiais à narrativa – um feito, se considerar contemporâneos como “Democracia em Vertigem” e o “Family Romance LLC” de Werner Herzog. Esta construção rende momentos de tensão suficientes para contornar as ocasionais recaídas da produção no teatralismo, fruto maldito natural de qualquer produção disposta a se aparelhar em obras literárias do porte do livro de Hugo. (P.S.)
“Perdi Meu Corpo”
“Perdi Meu Corpo” possui uma missão difícil na sua corrida do Oscar: superar os dois absolutos favoritos ao prêmio de Animação que são “Toy Story 4” e “Klaus”. Disponível na Netflix, o longa francês de apenas 80 minutos dirigido por Jérémy Clapin acompanha a vida de um rapaz que, ainda na infância, perdeu seus pais em um acidente de carro e nunca superou a dor da perda. O filme estreou no Festival de Cannes de 2019, onde se tornou a primeira animação a receber o Grande Prêmio Nespresso na história do evento.
A obra de Clapin alterna a realidade e a fantasia. Enquanto vemos o dia-a-dia de Naofel, acompanhamos também a jornada de uma mão decepada para voltar ao seu corpo. O filme acaba não conseguindo mesclar tão bem realidade e fantasia, utilizando muitos simbolismos e metáforas que se isoladamente são interessantes, como unidade cinematográfica acabam por nunca potencializar o todo da narrativa. Por outro lado, é interessante a atmosfera soturna e melancólica criada, que se utiliza tanto de uma trilha sempre triste quanto pela forma como retrata o protagonista em sua rotina. A tristeza está em cada olhar, fala tímida e movimento cabisbaixo do personagem.
Outro ponto positivo é a construção do vazio na vida de Naofel, que se sente culpado pela morte dos pais, já que eles se distraíram do volante para dar uma bronca na criança que estava no banco de trás. “Perdi Meu Corpo” é uma animação muito mais focada no retrato dos efeitos do trauma na personalidade e na existência de um indivíduo do que em construir uma jornada com estágios de começo, meio e fim mais definidos. Nisso, o longa é bastante eficiente, e mesmo que não pareça ter força para disputar a premiação com os favoritos, por seus feitos, é por si só, um filme bastante interessante. (M.F.)
“Um Lindo Dia Na Vizinhança”
Quem espera que este novo projeto de Marielle Heller seja mais uma típica cinebiografia de Hollywood agora voltada ao icônico Fred Rogers talvez seja frustrado pelo resultado final do filme, que usa um famoso artigo da revista Esquire sobre o apresentador de programa infantil da PBS apenas como base de sua história. O mais recente projeto da diretora de “Poderia Me Perdoar?” acompanha um jornalista frustrado e extremamente cético (Matthew Rhys) que é escolhido pela publicação para entrevistar Rogers (Tom Hanks), cujo perfil de generosidade e simpatia logo desperta não apenas a sua desconfiança mas também alguns de seus próprios traumas de infância.
Tornou-se uma definição comum entre a crítica e o público de que “Um Lindo Dia Na Vizinhança” seria “um filme sobre o Mr. Rogers que não é sobre o Mr. Rogers” e a bem da verdade ela tem algum fundo de verdade. O longa de Heller é menos sobre a exploração da trajetória pessoal e profissional de sua maior celebridade que uma espécie de grande discussão sobre buscar otimismo em um cotidiano duro e que tende ao cinismo de relações, usando a figura quase essencialista de Rogers como ferramenta de desarme para todas as tensões vividas pelo protagonista. E embora a narrativa adote parte do formato dos programas de sua estrela, a produção talvez se enquadre melhor como um melodrama que também serve como sessão de terapia coletiva.
Mas ainda que seja deslocado para a posição de coadjuvante do próprio filme, no fim é óbvio que todo o projeto gira em torno da performance de Hanks, cuja abordagem para o papel de Fred Rogers rende de longe as melhores cenas – incluindo uma de um longo silêncio meditativo e o desfecho tão potente em seus resquícios de mal-estar. (P.S.)
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