- Cultura 19.nov.2019
“Um Dia de Chuva em Nova York” é agradável, mesmo que genérico para a carreira de Woody Allen
Novo filme do cineasta americano repete propostas de diversas obras de sua carreira sem o mesmo frescor de outrora
Woody Allen é um diretor extremamente prolífico: o cineasta está sempre atrás das câmeras e já lançou quase cinquenta filmes em sua carreira. Nesse bolo de dezenas de projetos, Allen possui obras que marcaram a história do cinema – bem como filmes que acabaram não recebendo o merecido reconhecimento – mas também há alguns trabalhos… insossos. Não são poucos os exemplos de obras um tanto quanto genéricas, que regurgitam temas e soluções já conhecidas na filmografia do diretor.
Quando faz um bom filme, é bem capaz de Allen estar produzindo algum dos melhores filmes de seus tempos, como “Rosa Púrpura do Cairo” ou “Manhattan”. Até mesmo filmes “menores”, como “Match Point” e “Meia-Noite em Paris”, trazem momentos inspiradíssimos. Mas infelizmente nem só de obras-primas e bons filmes vive Woody Allen: o diretor também entrega de vez em quando um “Café Society” ou um “Para Roma, Com Amor”.
Seu novo filme, “Um Dia de Chuva em Nova York”, se encaixa nesse terceiro grupo. Mesmo que nenhuma das citadas seja ruim, estes projetos mostram um diretor muito aquém de seus melhores momentos e pouco inspirado para injetar alguma novidade a temas já abordados.
Em “Um Dia de Chuva”, acompanhamos o jovem casal Gatsby Welles (Timothée Chalamet) e Ashleigh Enright (Elle Fanning). Os dois vivem no norte do estado de Nova York e vão para Manhattan por um fim de semana, pois Ashleigh terá a oportunidade de entrevistar um famoso diretor de cinema. Se a viagem tinha tudo para ser romântica, os planos acabam sucumbindo diante de acasos que separam o casal.
Partindo dessa premissa, Allen acompanha os dois personagens de forma paralela e os coloca em situações que questionam a fidelidade do namoro a todo momento e revelam novas faces dos dois jovens. Se Gatbsy acaba sentindo atração por uma antiga colega de escola, Chan (Selena Gomez), Ashleigh encontra-se com ídolos do cinema que a tratam como se fosse apenas um pedaço de carne mas que a fazem sentir um poder ainda inédito em sua vida – afinal, todos aqueles personagens estão dispostos a fazer de tudo para agradar a menina. Com isso, o cineasta desenvolve um estudo sobre a fragilidade dos relacionamentos e as angústias da vida, que tem como ápice o momento no qual deixa claro como, independente do que acontecesse ou deixasse de acontecer, nada importaria na vida daqueles personagens.
A ideia de Allen é apresentar os personagens principais envoltos em uma aura paradisíaca, algo evidenciado pela fotografia de Vittorio Storaro, que filma Gatsby e Ashleigh com luzes douradas durante todo o primeiro ato, como se os personagens não se importassem com os problemas de suas vidas e vivessem em função do próprio amor. Ao chegar em Manhattan, porém, tudo desmorona quando os planos não dão certo, e Allen então faz os personagens questionarem sobre essas imprevisibilidades da vida e a necessidade de reinventar-se, viver novas experiências e valorizar o tempo.
Storaro é seminal para criar tanto a aura do casal apaixonado e sonhador, quanto para estabelecer o ambiente cinzento que se instaura na narrativa a partir do momento em que o encanto de Gatsby e Ashleigh é quebrado. O momento em que Gatsby realiza algo totalmente inesperado e fora de sua agenda original, por exemplo, é justamente quando as luzes douradas abandonam o filme e o cinza trazido pela chuva toma conta: estamos diante, finalmente, do personagem despertando do sonho e reencontrando a realidade.
Allen trabalha todo o elenco adulto com um olhar extremamente melancólico
Nesse estudo das relações amorosas e da imprevisibilidade da vida, Allen acaba se repetindo, tanto tematicamente quanto formalmente. O próprio personagem de Gatsby, por exemplo, é mais um no rol de dezenas de protagonistas intelectuais e arrogantes que representam o próprio autor. Apesar disso, “Um Dia de Chuva em Nova York” oferece uma interessante jornada da dupla protagonista por mundos até então desconhecidos.
Se, no norte do estado, Gatsby vive uma vida acomodada e sente-se superior a todos, mostrando ser um jovem extremamente prepotente e autoindulgente – em seu primeiro diálogo com sua namorada, por exemplo, ele sempre a interrompe e minimiza suas conquistas para falar sobre os planos que ele imaginou para a viagem do casal para Manhattan –, de volta a sua cidade natal, o rapaz se reinventa quando percebe que, enquanto seus colegas vivem novas experiências a todo momento, ele parece preso aos mesmos bares e museus de sua infância.
O interessante é perceber como Allen trabalha todo o elenco adulto com um olhar extremamente melancólico. Todos apresentam algum sério problema ligado ao amor: o cineasta que não consegue superar sua ex-esposa e apaixona-se pela personagem que se parece com ela, o roteirista que persegue sua companheira para saber se ela está o traindo, o irmão mais velho de Gatsby que, prestes a se casar, deseja a qualquer custo abandonar sua noiva e por aí vai. Com esse panorama estabelecido, entra então a ideia de que um amor valioso é algo capaz de salvar o indivíduo de uma vida errante – o próprio roteiro evidencia a ideia quando Chan diz que “só se vive uma vez, mas é o suficiente se for ao lado da pessoa certa”.
O problema é que, em sua narrativa, Allen pouco faz além de apresentar o cenário e criar humor por cima dele enquanto nos põe em um rodízio de acontecimentos envolvendo os personagens das três gerações. Há pouco por trás das situações tragicômicas pelas quais os personagens passam e, pior, há um subdesenvolvimento de Ashleigh que chega a ser de certo mau gosto, tratando a jovem como uma figura extremamente unidimensional e burra. É forte a sensação de que, enquanto Gatsby aprendeu sobre a finitude da vida e a necessidade de viver novas experiências, e não apenas seguir um roteiro pré-programado, Ashleigh permanece como uma boneca de porcelana, tratada apenas como dispositivo narrativo, um objeto de cena.
Enquanto Gatsby aprende sobre a necessidade de novas experiências, Ashleigh permanece como uma boneca de porcelana
Mostrando a terceira idade como uma era de aceitação dos sucessos e fracassos e a fase adulta como um mar de melancolia pelas desventuras da vida, “Um Dia de Chuva em Nova York” até entretém por nos colocar no papel dos mais inocentes e inexperientes personagens, que apresentam dificuldade até mesmo para conceber a dureza inerente à vida exposta pelas figuras com quem encontram, mas parece parar no meio do caminho.
Não é possível acertar sempre. Woody Allen ainda é capaz de entregar ótimos filmes, mas “Um Dia de Chuva em Nova York” em dado momento soa como uma versão feita por algoritmo baseada na filmografia do próprio cineasta. Entretanto, mesmo um filme mediano de Woody Allen ainda é uma experiência extremamente agradável por fazer questionamentos interessantes por meio de uma narrativa leve e inteligente.
Assim como, ao fim, Gatsby retorna à Nova York para redescobrir a cidade e viver uma nova vida, Allen também parece ser capaz de, futuramente, retornar aos temas e descobrir novas formas de apresentar suas ideias. Torçamos e aguardemos. Afinal, o diretor está prestes a completar 84 anos e pelo visto não tem nenhuma intenção de parar de filmar.
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