Por dentro do mundo claustrofóbico de “O Farol”, o novo filme do diretor de “A Bruxa”
Robert Eggers, Rodrigo Teixeira e Willem Dafoe dão detalhes sobre os desafios e os prazeres de se contar nas telas uma história de horror ambientada em um farol localizado em terras inóspitas
Quando “A Bruxa” foi lançado nos cinemas há quatro anos, Robert Eggers talvez não esperasse o tamanho do impacto que sua estreia na direção fosse deixar no cenário cultural. O filme sobre uma família religiosamente tradicional do século 17 que passa a ser atormentada por fenômenos esotéricos que não consegue explicar, afinal, chegou longe para pretensões tão reduzidas de uma produção de baixo orçamento, escapando do circuito de festivais para atingir o grande público e se consolidar como mais um item da cultura pop – o “black Phillip”, quem diria, virou até Funko Pop!.
Foi esta fama recém-atribuída que de certa forma possibilitou a Eggers agora fazer deste “O Farol” que é seu segundo trabalho um projeto um pouco mais à altura das pretensões pedidas, mas se engana quem acredita que o cineasta aproveitou a maior atenção para aumentar a escala. Embora seja um filme mais complexo de se realizar, tenha a presença de dois atores consagrados de Hollywood nos papéis principais e abuse de uma estrutura narrativa ainda mais requintada, a história de dois faroleiros que são encarregados de cuidar de uma estação localizada numa ilha inóspita conseguiu ser produzida com um orçamento praticamente idêntico ao de “A Bruxa” – o que torna o desafio de sua realização um dos traços mais impressionantes da obra.
Assim, não chega a ser uma surpresa que a superação de obstáculos tenha sido o assunto mais vezes comentado por Eggers na conversa que teve com a imprensa brasileira na tarde da última terça-feira, 29 de outubro. Em São Paulo para divulgar o filme e junto do produtor Rodrigo Teixeira e o ator Willem Dafoe, o diretor discorreu bastante sobre os apuros e soluções técnicas que ele e toda a equipe do projeto tiveram ao longo da produção.
O processo, claro, começa com o roteiro que ele e o irmão Max Eggers escreveram. “A gente queria criar um filme com atmosfera da fotografia em preto e branco que se ambientasse em um farol, então a pergunta a partir daí era ‘que história nós vamos contar'” diz o cineasta, que também afirmou na coletiva que a pesquisa do longa levou a dupla ao folclore de regiões como a Irlanda do Norte e diferentes países da Europa Ocidental. O resultado naturalmente transparece nos diálogos travados entre os personagens de Robert Pattinson e Dafoe, cuja posição de faroleiro veterano carrega um sotaque que Eggers define como de um “pirata de desenho animado”.
À procura de formatos e locações
A concepção visual foi também uma parte muito valiosa ao diretor na produção. Como o objetivo de Eggers era reproduzir o visual de filmes dos anos 30 – algo que ele afirma que rendeu uma comparação a comerciais da Ralph Lauren dita por Pattinson – seu objetivo naturalmente acabou convertendo à escolha das filmagens em película de 35 milímetros. A dedicação em reproduzir o passado era tamanha que ele e os produtores chegaram a buscar um tipo de filme muito específico que só era usado nos primórdios do cinema, mas quando a procura resultou em nada o diretor de fotografia Jarin Blaschke conseguiu criar um filtro cujo efeito lembrava a brancura dos rostos dos personagens dos trabalho do cineasta russo Serguei Eisenstein.
Essa especificidade obviamente chega à proporção de tela, cuja escolha pelo formato 4:3 foi tomada para permitir que a narrativa ganhasse o máximo possível de claustrofobia e possibilitasse aos realizadores filmar melhor os enquadramentos em close dos rostos de Pattinson e Dafoe. “Eu gosto muito de retratos, então porque não usar?” declara Eggers no evento ao justificar o início que segundo ele imobiliza os dois protagonistas afim de dizer ao espectador “Ei, estes são os dois personagens que você vai passar a próxima uma hora e meia com.”.
Outra parte importante, claro, foi achar o próprio farol do título. Embora Teixeira a princípio tenha convencido Eggers a procurar um posto real para conduzir as filmagens para ajudar nos custos, a necessidade maior de uma ilha inóspita o suficiente para repercutir a sensação opressiva do longa permitiu que eles “felizmente” não conseguissem encontrar um farol real e materializassem o desejo do diretor de construir o set inteiro, algo que ele define como capaz de lhe dar “maior controle” formal sobre os resultados.
A relação de Eggers com o produtor brasileiro é das mais camaradas, vale dizer, e não sem razão. Além de ser quem mais apoiou a realização de “A Bruxa” há cinco anos, Teixeira também parece agradar o jovem cineasta estadunidense por embarcar nas suas pirações estéticas e narrativas. O mais importante, porém, é que o principal nome da RT Features sabe identificar o que é e não é uma ameaça de mercado com o projeto: quando “O Farol” estava no começo de sua pré-produção, os envolvidos ficaram preocupados com as possíveis preocupações que a produção fosse despertar na época com o então novo trabalho do diretor Derek Cianfrance, o drama “A Luz Entre Os Oceanos” que também se passava em um farol; quando Teixeira viu o dito projeto (e sua recepção, em especial), porém, ele não hesitou em dissipar preocupações.
Não à toa, Eggers chegou a comentar em determinado da conversa que, apesar de todos os perrengues intrínsecos a um projeto como este, os únicos obstáculos reais acabaram sendo “a natureza e o tempo” curto (devido à agenda cheia dos atores).
Em meio à tempestade, uma relação de confiança entre diretor e elenco
Mas ainda que a pesquisa tenha sido parte fundamental e que ele próprio declare que “Toda a forma e linguagem do filme já estavam prontas” antes do início das filmagens, o diretor não economiza elogios a todo o esforço coletivo da equipe para trazer à vida o conto de horror em mãos, incluindo do elenco diminuto. “Você começa escolhendo os dois atores mais belos para os papéis, e isso já basta” brincou Eggers logo no começo da coletiva, acrescentando pouco depois que o trabalho feito entre ele, Dafoe e Pattinson foi essencial para conceber a atmosfera claustrofóbica da trama.
Neste momento Dafoe também não poupa elogios a seu diretor. “É muito preciso o mundo que Eggers cria para seus atores” declara o veterano, que também afirma já ter notado esta característica ao assistir “A Bruxa” em 2015. O artista vê isso como parte fundamental do trabalho, ainda mais em um cujo papel exija bastante de sua condição física a ponto de pedir que ele seja enterrado vivo em um terreno tão inóspito quanto a ilha de “O Farol” – uma cena, aliás, que ele credita como a mais difícil de seu trabalho pelo “sentido literal” da coisa.
A gratidão de Eggers ao ator é tão grande quanto. Ainda que tenha começado a escrever o projeto imaginando Daniel Day-Lewis para o papel, o cineasta afirma que “Quando o filme se tornou realidade, não havia dúvida de que Willem Dafoe era o único que poderia fazer o papel”, citando ainda o aspecto quase camaleônico do artista ao longo de sua carreira: “Ele pode ser um palhaço, uma figura messiânica um vilão, tudo. Quando ele faz um antagonista, há uma alegria em seus olhos que dá pra perceber em seu olhar.” afirmou na coletiva; “Eu acho que qualquer outro que fizesse o papel do faroleiro seria pouco opressivo demais ao público”.
É tamanho respeito entre a dupla que brincadeiras sobraram no curso do evento para a imprensa brasileira. “Teve uma única cena cortada, a única em que eu estava sozinho no filme inteiro. Devo ter ferrado o plano.” ri Dafoe em certo momento, ao qual logo em seguida é corroborado por Eggers na perspectiva de que a cena talvez soasse repetitiva demais ao espectador. O diretor, porém, diz que se esforçou até o fim encaixar o momento na montagem: “Eu gosto dela, eu até tentei encaixar nos créditos, mas no fim ia ficar confuso” declara, também confirmando que o longa não terá uma versão do diretor apenas porque “não acredita” no formato – ainda que ele diga gostar muito do corte estendido de “Midsommar”.
“O Farol” chega aos cinemas brasileiros no dia 2 de janeiro pelas mãos da Vitrine Filmes.
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