“Meu interesse era no drama humano”, diz Olivier Assayas sobre “Wasp Network”
Junto de Édgar Ramírez e Leonardo Sbaraglia, diretor francês comenta impactos políticos por trás de seu novo filme e explica o porquê de ter feito ajustes ao projeto depois de sua primeira exibição em Veneza
Quem começou a acompanhar a carreira de Olivier Assayas nos últimos anos talvez se surpreenda um pouco com “Wasp Network”. O novo projeto do diretor francês, afinal, não poderia estar mais longe dos temas trabalhados por ele em filmes recentes como “Acima das Nuvens”, “Personal Shopper” ou até mesmo o anterior “Vidas Duplas”, abandonando questões mais conceituais para tratar de um cenário muito específico do campo político, a guerra silenciosa entre Cuba e os Estados Unidos.
Política, aliás, foi um dos temas mais recorrentes da conversa que Assayas e a equipe da produção tiveram com os jornalistas no fim da manhã de hoje (16). No país para divulgar o filme e participar da abertura de um festival de cinema paulista e junto do produtor Rodrigo Teixeira e os atores Édgar Ramírez e Leonardo Sbaraglia, o cineasta não poucas vezes discutiu os efeitos e o impacto do ato de trabalhar com uma questão tão delicada quanto a relação turbulenta entre os dois países, ainda mais quando ambos estão se espionando para atacar e se defender um do outro.
A história de “Wasp Network”, aliás, é centrada nas operações de um grupo de espiões cubanos que se infiltraram nos EUA ao longo da década de 90 para vigiar e defender a nação comandada por Fidel Castro de ações e atentados organizados pelo governo estadunidense. Fingindo deserção para o país vizinho, os agentes aos poucos se inseriam em posições chave que possibilitassem a eles ficar de olho nos planos de organizações contrárias ao regime castrista, incluindo aí a Fundação Nacional de Cuba Americana gerida pelo ativista político Jorge Mas Canosa que é central a grande parte dos acontecimentos do longa. De acordo com Ramírez, o filme entrega os fatos “como eles os são” e independente do lado pede que o espectador “tome um posicionamento” sobre estes.
Os fatos foram documentados pelo brasileiro Fernando Morais no livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, que foi base para o roteiro escrito pelo diretor para o longa. Mas ele e Teixeira garantem não apenas que só o material bruto da obra foi usado no filme, como o encontro entre o escritor e o cineasta ainda está para acontecer: “Nós moramos em países diferentes em continentes difíceis. Infelizmente ficou difícil” declarou o diretor francês à imprensa brasileira, que também diz ser contrário ao regime cubano apesar de estar do lado dos agentes cubanos neste caso específico.
As ambições de Assayas com o projeto, porém, diferem a princípio do ângulo meramente documental da época. “Meu interesse era nas famílias destes soldados, mais exatamente as consequências sofridas pelas esposas e filhas destes homens que da noite para o dia desertavam sem dar explicações” afirmou o diretor na coletiva, onde também comentou que o “drama humano” envolvido nesta trama era muito potente. Essas esposas, no caso, são duas e passam por situações inversas no curso da trama: enquanto a personagem de Penélope Cruz vive a mulher de um espião (Ramírez) que a abandona em Cuba para “desertar” sem aviso prévio, a interpretada por Ana de Armas se apaixona e casa com outro agente (vivido por Wagner Moura) nos Estados Unidos, mas nunca é informada pelo marido sobre a real natureza de suas atividades.
Apesar do núcleo emocional, a necessidade de pesquisa obviamente se faz presente ao nível dos mínimos detalhes; para fazer com que o espectador compreenda o cenário, afinal, é necessário primeiro permitir que este entenda o contexto histórico por trás da questão. E o filme não economiza neste departamento: narrações em off, flashbacks explicativos, interrupções na trama para organizar a linha do tempo, imagens de entrevistas com Castro e declarações do então presidente estadunidense Bill Clinton… Assayas dispõe de todo tipo de artifício para facilitar ao espectador o complexo cenário que se desenvolve pelas sombras, chegando em alguns momentos a dedicar-se quase que exclusivamente neste didatismo para ilustrar a gravidade dos atos e os riscos em que os protagonistas se inserem para garantir a segurança do seu povo.
O esforço é tamanho que mesmo depois da premiere no último Festival de Veneza a produção passou por alguns ajustes. De acordo com o próprio Assayas, após a primeira exibição pública ele decidiu voltar à sala de montagem para tornar ainda mais simples as explicações históricas a quem “não estava familiarizado com a situação”, o que o levou a adicionar novos três minutos a um projeto com já duas horas de duração. A “culpa”, em parte, também recai na pós-produção relativamente curta, que durou entre março e agosto deste ano.
Mas no fim, a alma de “Wasp Network” para Assayas está mesmo no elenco, que ele fez questão de ser inteiro pan-americano afim de permitir o maior realismo possível à narrativa. E concentrada em Cuba, a produção permitiu que a equipe se aproximasse e compartilhasse suas aflições com o atual cenário político, desde as preocupações de Ramírez com o cenário venezuelano à vivência de Sbaraglia com a crise na Argentina, passando naturalmente pelos problemas de Moura para distribuir seu “Marighella” no Brasil. “Nós ficamos muito próximos durante o curso da produção, jantávamos juntos praticamente todos os dias” comentou Teixeira.
O desejo, agora, é fazer com que o filme seja exibido no próximo Festival de Cinema de Havana, que a equipe acredita poder o “ápice” do projeto junto da muito provável distribuição do longa ao redor do globo – que Teixeira e sua RT Features garantem estar em negociações finais com um grande estúdio. “Wasp Network”, entretanto, segue por enquanto sem previsão de estreia no Brasil.
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