- Cultura 13.out.2019
“El Camino” rejeita redenção de Jesse Pinkman no fim de “Breaking Bad”
Filme que encerra série de Vince Gilligan vê na sobrevivência sem reparação a única alternativa para a morte
“Breaking Bad” sempre deixou seu foco na trajetória de Walter White (Bryan Cranston), o professor de química com câncer terminal que, para deixar alguma ajuda financeira para sua família antes de partir, passa a produzir e traficar metanfetamina. O principal coadjuvante, o ex-aluno de Walt e parceiro de produção, Jesse Pinkman (Aaron Paul), até tem seus momentos, mas sempre foi utilizado principalmente como ponte para explorar ainda mais a mudança no caráter de White.
“El Camino” surge de um interesse de Vince Gilligan, criador da série, de explorar alguns espaços vazios desse universo, que é uma das mais premiados, cultuados e importantes da história da televisão americana. Esse interesse, porém, não é novo: ocupa a mesma lacuna a ótima “Better Call Saul”, que foca no advogado Saul Goodman e mostra como ele teve, assim como Walt, uma jornada de desconstrução e transformação de caráter até se tornar o sujeito que conhecemos em “Breaking Bad”.
Mas, diferente de “Saul”, “El Camino” tem pretensões mais simples. Assim como a série, o longa-metragem de 2019 também alterna entre presente e passado para nos dar algumas pistas sobre os rumos atuais do personagem principal, mas enquanto o seriado do advogado está a todo momento adicionando novas nuances, personagens e lugares que enriquecem a história de Saul, “El Camino” tem como foco mostrar como tais elementos simplesmente inexistem na vida de Jesse Pinkman. É um retrato do vazio que se tornou o mundo do personagem de Aaron Paul após tantos anos de sofrimento.
Ao fim de “Breaking Bad”, Pinkman estava trabalhando de forma escrava para uma gangue neonazista para produzir metanfetamina. Em “El Camino”, acompanhamos, ao mesmo tempo, os dias seguintes a sua fuga, que ocorre no series finale do programa, mas também flashbacks que exploram o que aconteceu durante o período de cativeiro.
“El Camino” começa exatamente onde acabou a série. Jesse está em fuga e em busca de um recomeço. Como o prólogo do filme nos diz, porém, não há redenção possível. Não há um caminho pelo qual algum daqueles personagens possa seguir que os redima de seu passado. O roteiro de Gilligan traz um personagem já ciente disso, e faz com que as duas horas de filme sejam angustiantes, retratando sempre um personagem quebrado, que apenas quer sobreviver, se isolar em algum lugar onde possa descansar.
Gilligan aborda essa ideia com uma narrativa lenta, bastante inspirada em jornadas do faroeste, mas sem adentrar o gênero de forma direta – com exceção de uma fantástica cena –, e sim mantendo o drama típico de “Breaking Bad” como caminho a seguir. Esse vazio de novidades, decerto, incomoda a muitos, mas é extremamente coerente com tudo que a série nos apresentou. Não há novidades pois não há perspectivas para Jesse, “El Camino” é um epílogo para um personagem cuja história já foi, de certa forma, encerrada. A nova obra existe apenas para oferecer não redenção ou justiça para Pinkman; apenas descanso.
Não há um caminho pelo qual algum daqueles personagens possa seguir que os redima de seu passado
O que vemos ao longo do filme é um personagem já desprendido das pretensões de outrora e assombrado pelos fantasmas do passado. Gilligan constrói essa relação tanto de maneiras mais óbvias, como utilizando a montagem para criar paralelos entre o presente e o passado de Jesse – a cena do chuveiro, que remete aos banhos que ele tinha na “prisão”–, como também pelas já conhecidas metáforas visuais, tão seminais no universo de “Breaking Bad”.
É interessante, por exemplo, como a fotografia exerce um papel fundamental no retrato psicológico do protagonista ao longo do filme. Se nos primeiros momentos, Jesse era sempre filmado no escuro e em ambientes sombrios, isso se dá pelo fato de o personagem ainda sentir-se preso ao cativeiro onde esteve no fim da série. Esse aprisionamento criado pela escuridão, todavia, não é uma forma de retratar apenas a prisão física na qual o personagem esteve, mas também a prisão mental resultante dos traumas vividos por Pinkman.
Já ao fim, quando Pinkman finalmente chega a seu destino, a luz natural ilumina seu rosto, que passa a ser, em todas as cenas, perfeitamente visível pelas lentes de Gilligan. A luz, porém, não nos dá um rosto feliz ou esperançoso. Nos dá um rosto ainda cheio e cicatrizes, físicas e emocionais, que reiteram como, para Pinkman, a vitória não é a redenção, mas a sobrevivência.
A câmera nos dá um rosto ainda cheio de cicatrizes que reiteram como, para Pinkman, a vitória não é a redenção mas a sobrevivência
A redenção, inclusive, é utilizada pelo próprio como dispositivo para chegar a sua tão sonhada paz, como no belo momento em que finge estar prestes a se entregar apenas para que, com isso, tenha a oportunidade de seguir com seu plano de fuga. Pinkman sabe, desde o primeiro minuto de projeção, que para figuras como ele, não há nada positivo se não memórias e aprendizados, bem como não há como consertar os erros cometidos.
Enfim, o descanso do personagem mais trágico de “Breaking Bad”, em um epílogo que respeita a série, a utiliza para potencializar seu drama, mas que também sabe funcionar de forma independente. “El Camino” está lá para nos dar respostas, mas não um final açucarado. É mais uma página de uma história que, desde o primeiro capítulo, parece fadada à tragédia. Que bom que pelo menos um daqueles personagens conseguiu, de alguma forma, começar de novo.
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