- Cultura 10.out.2019
“Projeto Gemini” se encanta tanto com a tecnologia que suprime a própria narrativa
Ang Lee prioriza demais estética que, embora impressionante, esteriliza narrativa sobre homem forçado a enfrentar clone de si mesmo
Diretor conhecido pelos memoráveis “O Tigre e o Dragão”, “O Segredo de Brokeback Mountain” e “As Aventuras de Pi”, o taiwanês Ang Lee sumiu um pouco da mídia nos últimos anos. Seu último longa, “A Longa Caminhada de Billy Lynn”, acabou tendo modesta recepção de público e crítica. Porém, seu novo filme, “Projeto Gemini”, é um grande blockbuster, protagonizado por Will Smith, um dos mais caros atores da indústria.
A nova obra de Lee, assim como “As Aventuras de Pi”, tem a tecnologia como um elemento importante não só como meio, mas para o fim da obra em si. Lee é um dos cineastas mais interessados em explorar as possibilidades trazidas pela tecnologia na forma de contar histórias, algo visto também no subestimado “Hulk”, de 2003. Entretanto, no caso de “Projeto Gemini”, as ambições de Lee se tornaram, de certa forma, um problema. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 14 cinemas estão aptos a projetar o filme em 120 frames por segundo, modelo utilizado nas filmagens do longa – o normal de uma peça audiovisual é a filmagem em 24 frames por segundo.
A história acompanha Henry Brogan (Smith), um mercenário com habilidades incomparáveis que está prestes a se aposentar. Seu último serviço, porém, é cheio de mistérios que fazem com que Brogan se torne um alvo. Os mandantes agora o vêem como uma “ponta solta” no caso, e mandam um assassino para eliminá-lo. Aí, entra a tecnologia empregada por Lee, que é utilizará para construir visualmente um clone rejuvenescido do próprio Will Smith. A trama, portanto, coloca o protagonista em conflito com seu próprio passado.
Brogan é retratado como o clássico herói do cinema de ação, o “exército de um homem só”, que, sem apoio, enfrenta batalhões inteiros sem maiores dificuldades. Entretanto, o sujeito, bem como John J. Rambo em “Programado Para Matar”, é traumatizado por seu passado, e, como o próprio Brogan diz, mal consegue olhar-se no espelho. Essa ideia, assim como toda a trama política que amarra os conflitos, infelizmente acaba sendo esmagada pelas pretensões técnicas de Lee, que parece mais maravilhado com seus recursos do que com sua história.
O filme demonstra maior apreço pelos close-ups no rosto reconstruído do jovem Will Smith que qualquer outra coisa
Sobre o confronto de Henry Brogan com seu clone, há aspectos interessantes. O atirador deseja viver uma vida normal, mas acaba perseguido pelos fantasmas de seu ofício. Vale lembrar que James Mangold fez algo parecido em “Logan”, quando o protagonista de Hugh Jackman precisou enfrentar um clone rejuvenescido de si mesmo ao longo da trama. Esse é o alicerce dramático, mas que, como dito, acaba não conseguindo nunca ser o norte narrativo de “Projeto Gemini”, já que Ang Lee demonstra mais apreço pelos close-ups no rosto perfeitamente reconstruído do jovem Will Smith do que por qualquer outra coisa, sejam os diálogos que dão complexidade aos personagens, sejam as cenas de ação, tudo está a mercê da tecnologia.
A ideia do confronto entre um homem e seu passado é muito exposta por um roteiro que precisa reafirmar a todo momento que Brogan interage com seu clone. Tal proposta é também prejudicada pelo fato de não haver nenhum aprofundamento dramático nas relações do protagonista. Brogan possui melhores amigos que existem na trama apenas para servir de ponte para explicação de situações ou andamento da trama. Se o personagem está isolado em uma ilha, subitamente um grande piloto, que é seu melhor amigo que não existia até aquele momento do filme, surgirá com uma aeronave para resgatá-lo.
A impressão que “Projeto Gemini” passa é a de que Lee não está utilizando a tecnologia para contar uma história, e sim utilizando a história como desculpa para fazer experimentos tecnológicos. Lee se desprende da própria linguagem cinematográfica ao demonstrar mais apreço pelo experimento técnico do que pela narrativa.
Lee se desprende da própria linguagem cinematográfica ao demonstrar mais apreço pelo experimento técnico que pela narrativa
Mesmo que tenha cenas de ação competentes e momentos nos quais a metáfora dos espelhos são bem aproveitadas – Brogan está sempre procurando por seu nêmesis em vidros, retrovisores e poças d’água –, elas acabam sendo usadas apenas como uma casca oca, já que “Projeto Gemini” em momento algum põe de lado a ação e os esforços tecnológicos para, por alguns minutos, dar alguma base para as questões psicológicas de seu protagonista. Lee poderia, no mínimo, utilizar essa tecnologia para fazer algo além de uma masturbação técnica que exalta as inovações visuais do longa.
Refém de sua própria ambição, “Projeto Gemini” mostra um Ang Lee que não consegue utilizar a técnica para desenvolver uma ideia. Na verdade, a nova obra do ótimo cineasta parece ficar no meio do caminho. É como se Lee se encantasse tanto com o que tem à sua disposição que esquecesse de embutir qualquer personalidade ao projeto, tanto no aprofundamento dramático quanto na própria ação, que é sempre bastante protocolar.
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