Cannes Lions 2019 e a fênix da indústria criativa
Uma reflexão sobre o futuro do "maior festival de criatividade do mundo"
Cannes Lions é sempre avassalador, não importa se pela primeira ou enésima vez. É tanta informação, palestra, case, prêmio, networking, reunião e fuso que às vezes a gente não dá conta de respirar.
Neste ano, apesar da intensidade já familiar, senti o conteúdo do festival um tanto menos inspirador. Enquanto estava lá, fiquei me perguntando – será que é ele ou será que sou eu? Afinal, todas as vezes anteriores em que estive no evento, ele me provocou e transformou ao menos um pouquinho, e dessa vez eu não sentia o mesmo efeito.
Mas de volta a São Paulo, com tempo pra refletir a respeito, percebi que precisava de um certo distanciamento pra poder juntar tudo o que vi. E se é fato que neste ano vi menos novidades no palco do Palais, também é fato que as reflexões provocadas por ele já me fazem pensar diferente.
Com um pouquinho de atraso, os efeitos apareceram. E como transformar é um imperativo pra nossa indústria, convido você a pensar comigo sobre o que vi lá. Juntei em tópicos pra facilitar a digestão de quem lê:
1.A criatividade não é mais a mesma. Depois de perder importância (equivocadamente) pra tecnologia e pra plataformas, neste ano ela voltou maior, mais ampla, anabolizando a tecnologia. Brilharam aqui no Palais as marcas que usam criatividade além da comunicação – em serviços, produtos, experiências e modelos de negócio. Veja o exemplo do Burger King, de quem falei aqui.
2. As marcas (finalmente!) assumiram o leme na função de normalizar o mundo. Em tempos de governos de baixa conscientização sobre temas importantes, extrema direita, ódio generalizado e fake news, as marcas pegaram pra si a tarefa de arrumar a bagunça. Do GP de Creative Effectiveness do Carrefour à igreja da Nike em Chicago, passando pelo incrível case “ThisAbles” da Ikea de Israel, vimos no Palais excelentes exemplos de marcas que costuraram coragem e propósito usando a criatividade como linha.
3. E se as marcas querem ver um mundo melhor, diversidade virou premissa. Se você ainda não tem uma equipe que reflete o mundo lá fora, mexa-se: você está oficialmente atrasado. E se você não está mostrando o mundo como ele é de verdade na sua comunicação, está também (se quiser uma ajudinha, vai ali no #showus, da Unilever, que você entende o conceito)
4. Como disse a Apple – mídia também é arte. Em um cenário cada vez mais fragmentado, commoditizado e programático, vai vencer quem conseguir usar o meio para contextualizar e dar força à mensagem. Não estou falando de multi-targeting, data-driven, essas palavras da vez. Estou falando de somar ciência e ousadia e com isso se destacar. Lembre-se do outdoor da Apple na CES: formato tradicional, mensagem consistente e forte, contextualizada de forma matadora pela localização.
5. Do jeito que está não fica: neste ano ficou mais claro pra mim como o festival está espelhando a transformação acontecendo na nossa indústria. De um lado, o cerco das grandes plataformas e tecnologias pressionando repensar modelos de negócio e de parcerias pra viabilizar grandes ideias e projetos. De outro, o entretenimento entrando no festival como nunca dantes – seja na premiação, seja no palco, a amálgama entre ele e a propaganda é cada vez mais forte. Pra onde quer que vc corra, as verdades antigas não valem mais.
E como estamos falando de entretenimento, eu não podia usar outra referência senão o cinema pra descrever minha sensação ao final destes 5 dias.
Vi uma semelhança enorme entre a indústria criativa e Fawkes, a fênix de estimação do professor Dumbledore nos filmes de Harry Potter. Primeiro tive a sensação de que estamos naquela fase em que o bichinho tá assim um pouquinho depenado, um tanto magricela (há quem veja de longe e ache que o fim está próximo).
Mas é esta a beleza da fênix – quando menos se espera, ela desapega geral: vira pó e renasce das próprias cinzas, novinha. Igual, mas diferente.
Será que seremos capazes?
A seguir, cenas do próximo capítulo ;-)
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