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Trama simples não impede que universo de “Detetive Pikachu” funcione

Filme se ancora em premissa básica para levar aos cinemas o universo dos games e abrir leque de possibilidades para o futuro

por Matheus Fiore

Apesar de recente (a franquia de jogos foi criada por Satoshi Tajiri apenas em 1995), o universo de “Pokémon” é tão rentável quanto diversificado. Não à toa, os fãs brincam que o lançamento de novos jogos da saga é uma verdadeira licença para a Nintendo imprimir mais dinheiro, mesmo que já existam dezenas de versões para a saga “Pokémon”. Esse universo é aproveitado de diversas formas: videogames, brinquedos, desenhos, animações em longa-metragem, roupas e demais produtos licenciados. Uma comparação com o que a Disney faz no ocidente, portanto, não é algo tão distante da realidade.

Entretanto, o impacto cultural que atravessou os oceanos e se tornou febre no ocidente (incluindo o Brasil, que foi engolido pela tsunami trazida tanto pelo animê, que foi exibido no Record, quanto pelos jogos de Game Boy), nunca havia se tornado um filme em live-action. Há muito especulava-se se a Nintendo, um dia, faria algo no cinema com esse universo. Nas mãos da Warner, essa transição finalmente ocorreu, e “Pokémon: Detetive Pikachu” tem a missão de introduzir o universo enquanto conta uma história tão simples quanto eficiente.

O diretor Rob Letterman (à esquerda) conversa com Justice Smith no set

Ao assistir ao filme, fica impossível não pensar na Marvel e na forma como a Nintendo trata a franquia como sua vaca leiteira há mais de uma década. Na Marvel pensamos pois há, em “Detetive Pikachu”, a clara intenção de, mais do que contar uma história, de estabelecer um universo, uma lógica narrativa que possa ser usada para contar diversas tramas diferentes. O filme de Rob Letterman cimenta o caminho para inúmeras possibilidades vindouras, bem como “Homem de Ferro” fez pela Marvel em 2008.

Já sobre a forma como a Nintendo trata o “produto”, é uma questão ainda mais simples: “Detetive Pikachu” apresenta um universo tão rico e variado, que não só há espaço para contar diversas histórias diferentes, como também há espaço para deslocamentos temporais, recursos que poderiam ser utilizados para, por exemplo, nos transportar para a história clássica de Ash e acompanhar sua jornada para se tornar um mestre Pokémon. As possibilidades e perspectivas a serem adotadas são incontáveis.

Sobre o filme, que é protagonizado por Justice Smith e Ryan Reynolds, a história é simples – até demais –, e serve apenas como base para nos mergulhar no universo nostálgico nerd proposto. Tim (Smith) é um jovem que vive no interior, mas decide ir para Ryme City após saber que seu pai, um renomado detetive, faleceu em um acidente de carro. Ao chegar na cidade, Tim se vê sem alternativas se não trabalhar ao lado de um Pikachu falante (Reynolds) para chegar ao fundo do mistério envolvendo a morte de seu pai. Essa simplicidade acaba cobrando seu preço quando, no ato final, “Detetive Pikachu” aposta justamente no impacto emocional das revelações e soluções dramáticas, e não em um apogeu nerd, como acontece com os ótimos “Jogador Nº 1” e “Vingadores: Ultimato” – algo que toda a construção de mundo sugere ao longo da narrativa.

Esse fiapo de história é desenvolvido a partir dos maiores clichês possíveis, algo que, acertadamente, o próprio filme reconhece. Há, por exemplo, cenas nas quais o Pikachu falante comenta sobre a chegada de um carro que, dadas as circunstâncias, só poderia ser de um vilão, escrachando essa noção de que se trata de uma sequências de situações um tanto quanto óbvias. Apesar de não ser um filme que, consciente de suas limitações narrativas, tire sarro delas ao ponto de se tornar uma paródia, “Detetive Pikachu” consegue funcionar por entender que seu ponto forte está longe da trama principal.

“Detetive Pikachu” funciona porque entende que seu ponto forte está longe da trama principal

Mesmo que seja vendido como um filme infantil (o que resultou no absurdo fato de quase 90% das salas brasileiras só exibirem cópias dubladas da obra), “Detetive Pikachu” existe para conquistar pela nostalgia, pela riqueza de seu mundo. Não faltam, por exemplo, planos que existem simplesmente para ressaltar o visual dos personagens e a abundância de detalhes nas peles, camadas e pelos dos “monstrinhos”. A ideia principal, porém, não é entregar esse universo de mãos beijadas para o espectador, e sim dar referências em doses homeopáticas, ao longo do desenvolvimento da trama, para sempre manter o espectador interessado em qual será a próxima novidade.

A ideia de Rob Letterman (que também dirigiu “O Espanta Tubarões” e “Goosebumps”) é fazer de sua câmera um veículo de evocação de nostalgia, que conquista principalmente a geração que cresceu assistindo ao desenho e às animações em longa-metragem, como “Pokémon 2000”. Apesar de essa escolha não servir tanto à trama principal, que permanece esquemática e óbvia até seus últimos instantes, há um grande mérito na obra, que é criar um mundo onde crível no qual pokémon e humanos coexistem.

A ideia de Rob Letterman é fazer de sua câmera um veículo de evocação de nostalgia

Letterman e seu diretor de fotografia, John Mathieson, aproveitam esses momentos com planos perspicazes, como no momento em que Tim e Pikachu realmente passam a trabalhar como uma dupla e, em vez de filmá-los diretamente na luz, coloca ambos os personagens se distanciando da câmera na contra-luz, fazendo com que o público possa ver apenas sua silhueta, o que fortalece a ideia de que, naquele mundo, as duas espécies existem de forma igualitária, e não que há humanos e bonecos computadorizados.

O curioso é que, no fim das contas, o desinteresse do roteiro pelo aprofundamento de seus personagens acaba servindo à ideia de ser uma exposição de totens nostálgicos, já que a total falta de personalidade de Tim facilita com que qualquer um se identifique com o personagem. “Detetive Pikachu” é um filme ciente de que seu ponto forte é o universo, e trabalha para, cena a cena, expandir um pouco mais desse universo, criando espaço para que vindouros projetos aproveitem seus elementos. Certamente não terá o impacto na indústria que “Homem de Ferro” teve – até por não ter a coragem de subverter o drama e transformar seu ápice dramático em uma batalha digna dos sonhos dos fãs –, mas igualmente certo é o fato de que o encantamento pelo visual mora em cada enquadramento que nos põe frente a frente com uma cidade futurista na qual pokémon não só são realidade, como ocupam os mais variados espaços daquela sociedade.

Ao estúdio, resta encontrar uma maneira de melhor explorar esse cosmo cinematográfico e criar histórias que de fato nos fisguem para além da nostalgia.

nota do crítico

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