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SXSW 2019: Deu ruim pra tecnologia
Edição deste ano do festival serviu para detectar os movimentos humanos, tecnológicos e culturais em curso no mundo
A maior parte das pessoas que vem aqui pela primeira vez me pergunta se o SXSW mudou desde que vim pela primeira vez, há 8 anos. A minha resposta é sempre “sim”, todo ano – o festival é diferente cada vez que venho.
Nos meus primeiros anos aqui, o SXSW era sobre o futuro e sobre como a tecnologia podia “consertar o que estava quebrado” – os governos, as instituições, as empresas. Agora, se eu tivesse que definir o SXSW, o chamaria de um lugar onde venho pra me inspirar e entender os movimentos humanos, tecnológicos e culturais que estão aparecendo.
Numa mesa redonda da qual participei enquanto estive aqui, a pergunta acima voltou, e dela parti numa viagem de reflexões sobre o evento e o que nos cerca hoje. Divido com vocês algumas delas aqui:
Nos últimos 5 anos, a tecnologia deixou de ser desafiante e reformadora pra se tornar a ordem. É por isso, também, que o evento deixou de ser sobre um futuro longínquo e passou a discutir os impactos, positivos ou não, de vivermos num mundo com “blurred lines” entre o físico e o digital.
O primeiro destes impactos é o fim da privacidade. Amy Webb, futurologista da NYU, mostrou como a avassaladora massa de dados e métricas que produzimos todo dia, a miniaturização das câmeras e dos sensores, os apps de exercício e sono, os testes de ancestralidade e DNA e os microondas falantes da Amazon dão muito mais informações sobre a gente pro mundo do que podemos imaginar.
O Silicon Valley é a nova Madison Avenue. É impressionante, por exemplo, ver como as plataformas estão comprando expertise criativa contratando pessoas que construíram reputação no mundo das agências e colocando “na mídia” a remuneração de um pacote muito maior de serviços. Também ficou nítido que o crescimento exponencial de empresas tão jovens, muitas vezes conduzidas por lideranças ainda imaturas, as faz muito similares aos anos “da bagunça” dos Mad Men. Susan Fowler veio falar sobre isso aqui e deixou uma platéia de milhares de pessoas em silêncio ouvindo sua história de assédio e retaliação no Uber.
A nova economia já envelheceu. Douglas Rushkoff, escritor serial americano, resumiu bem a mudança de propósito das startups: Elas foram de empresas que queriam criar tecnologia pra ajudar as pessoas a mudar o mundo para empresas que criam tecnologias pra mudar o comportamento das pessoas (qualquer semelhança com o propósito da propaganda não é mera coincidência) e tirar valor do sistema a todo custo.
GAFA precisa acordar porque as pessoas já acordaram. Há um enorme clamor aqui sobre a necessidade de regulamentar os gigantes da tecnologia. Google, Amazon, Facebook e Apple precisam ser tão inseridos em legislação quanto os grandes conglomerados de outras épocas. E os políticos que estiveram aqui como um enxame, neste ano, de Howard Schultz a Alexandria Ocasio-Cortez, colocaram esta conversa nos seus discursos. É só uma questão de tempo, agora.
Em 2020, eu espero ver aqui novamente um evento diferente. E se eu fosse fazer uma aposta, acredito que daqui um ou dois ciclos o festival vai voltar a discutir o futuro e a trazer novos desafiantes a esta nova (antiga) economia.
Enquanto isso, volto pra casa com o meu pêndulo pessoal muito inclinado a uma retomada dos valores e práticas voltados pras humanidades e bem mais atenta ao que os grandes conglomerados de tecnologia sabem sobre mim. Afinal, até que os desafiantes cheguem e se estabeleçam, vai depender da gente virar esse jogo.
Até 2020, Austin.
> Confira a cobertura completa do B9 no SXSW 2019
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