Nine Inch Nails | Year Zero • B9

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Nine Inch Nails | Year Zero

por Carlos Merigo

Não é um tema novo, mas acho que o assunto foi tão pouco comentado, principalmente em língua portuguesa, que merece um post aqui no Brainstorm #9. Não apenas por isso, mas também por se tratar de um exemplo real e bem-sucedido de como toda campanha viral deveria ser: uma marca que utilize múltiplas formas de mídia, para permitir que as pessoas espontaneamente se engajem em torno de algo realmente relevante e interessante.

Isso é difícil? Não tem formulinha mágica? Aos olhos de muita gente do mercado parece brincadeira tola de adolescente? Mas funciona, e muito bem. Estou falando da ação que foi orquestrada de forma magistral pela 42 Entertainment para o lançamento do álbum “Year Zero”, o último do Nine Inch Nails.

Assim como a própria 42 criou para o lançamento do game “Halo 2” da Microsoft, o I Love Bees, trata-se de um ARG (Alternate Reality Game) que inclui uma rede de sites, muito mistério, pistas e mínimos detalhes escondidos ao redor do mundo. Obviamente que, e você já deve imaginar, para isso funcionar é preciso falar com as pessoas certas e, principalmente, falar do jeito certo. Afinal, publicidade sempre foi isso e não vai mudar.

Tudo começou com uma camiseta em um show do Nine Inch Nails, no dia 12 de fevereiro de 2007. Fãs descobriram que a nova camiseta da turnê continha letras destacadas, que juntas formavam a frase: “I am trying to believe.” Claro que, na era digital, a primeira coisa que alguém tentou fazer foi digitar iamtryingtobelieve.com em algum navegador de internet, e voi lá, um site misterioso que discutia os efeitos de uma droga revolucionária chamada Parepin apareceu.

Isso foi o pontapé inicial para uma longa e elaborada perseguição de gato e rato atrás de pistas para decifrar as inúmeras mensagens criptografadas do ARG. Rapidamente, vários outros sites relacionados, e ainda mais misteriosos, foram encontrados. Todos descrevendo uma visão distópica do mundo 15 anos no futuro, ou então eventos que aconteceram no ano 0000, do mesmo modo que a temática do disco “Year Zero” do NIN.

Dois dias depois, em 14 de fevereiro, foi encontrado um pendrive dentro de um banheiro durante um show da banda em Lisboa, Portugal. O fã que o achou se surpreendeu com o conteúdo: uma mp3 em alta qualidade da música, até então inédita, “My Violent Heart”, que em seguida se alastrou rapidamente pela internet. Um pendrive contendo a mesma faixa também foi encontrado em Madri, na Espanha, pouco depois.

E mais: os últimos segundos da música encontrada no dispositivo eram ruídos de estática. Um arquivo com segundos sem som algum? Uma pessoa qualquer ignoraria, mas não um fã da banda e ciente do mistério que estava rolando.

Pois bem, o trecho de estática foi analisado através de um espectrograma, e revelou uma imagem semelhante a um braço se estendendo do céu. Esta imagem foi chamada posteriormente de “The Presence” e esteve presente (com o perdão do trocadilho) tanto no trailer como na capa do disco.

Já em Barcelona, no dia 19 do mesmo mês, um fã encontrou outro pendrive com mais dois arquivos de áudio: um era a música “Me, I’m Not”; o outro era um arquivo mp3 completo de estática.

Submetida a análise com um espectrograma, a faixa revelou nada menos que um número de telefone: 1-216-333-1810. Ao ligar para este número era possível ouvir uma conversa de telefone captada clandestinamente. Além disso, outra camiseta da turnê trazia letras em negrito que formavam outro telefone: 1-310-295-1040. Ligando para o número, era possível escutar um trecho da música “Survivalism”.

Para revelar a capa do disco, uma mensagem subliminar foi adicionada a um teaser trailer exibido no mini-site do Year Zero. No vídeo, uma rápida aparição de uma placa rodoviária azul mostrava a mensagem “I am trying to believe” e a imagem “The Presence” distorcida. Além disso, pausando em um frame determinado do teaser, era possível ver a URL yearzero.nin.com/0024, domínio esse que trazia uma imagem nomeada como yearzero_cover.jpg.

Um outro pendrive, encontrado no dia 25 de fevereiro, em Manchester, Inglaterra, continha um arquivo de imagem intitulado “invitation.jpg”. No mesmo dia, mais um pendrive foi descoberto, com a música “In This Twilight” e uma imagem do letreiro de Hollywood destruído, que acabou levando os fãs para um site chamado Hollywood in Memoriam.

No dia 3 de março, a música “The Beginning Of The End” tocou “inesperadamente” na rádio KROQ durante a madrugada. E logo após, vazou na internet em mp3 de alta qualidade. No dia 7 do mesmo mês, um outro pendrive encontrado trouxe o clipe da música “Survivalism”, vídeo esse que em diversos frames exibia mensagens e URL’s criptografadas.

Enquanto o disco ia sendo revelado assim, a conta-gotas, a história ficcional ia sendo contada ao mesmo tempo, envolvendo os Estados Unidos, grupos terroristas, ataques biológicos, governos ditadores, milícias xiitas, etc. Confira a cronologia de toda a história aqui. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência…

No dia 4 de abril de 2007, o disco inteiro foi disponibilizado no site oficial para audição via streaming. A faixa 13, “The Great Destroyer”, trazia uma voz computadorizada em determinado trecho. Quando os canais estéreo esquerdo e direito eram combinados em um simples canal mono, a voz dizia as palavras: “red horse vector”, levando os fãs ao site redhorsevector.net. Na faixa 14, “Anoter Version Of The Truth”, era possível ouvir um código morse que dizia: “grace the teacher”, apontando para o site graceteacher.net

Uma reunião chamada “Art is Resistance” foi marcada em Los Angeles, através do site Open Source Resistance. Os participantes eram convocados a vestir algo para mostrar que faziam parte do movimento. O kit da reunião continha buttons, posters, stencils, bandanas e cerca de 25 cases com telefones celulares pré-pagos, nos quais os participantes recebiam ligações com mais pistas.

Do dia 13 ao dia 25 de abril, o álbum “Year Zero” foi lançado na Europa, Austrália, Reino Unido, Estados Unidos e Japão. O disco saiu em embalagem digipack, trazendo um adesivo com o número 1-866-445-6580. O CD em si tinha uma de suas faces termocromáticas, que quando aquecida ao ser tocado revelava uma seqüência binária indicando diversas URL’s (vídeo demonstrando o efeito).

Finalmente, no dia 27 de abril, os “membros” da “Art is Resistance” receberam ligações automáticas via celular com uma mensagem que indicava a Hour of Arrival (hora da chegada). A ligação marcou o fim do jogo, dizendo “we’ve got to go dark for a while, but that is ok – you don’t need us anymore.”

Percebam que foram vários parágrafos até aqui, mas eu não contei e nem detalhei diversas partes desse ARG fantástico. Se tiver interesse, confira toda a timeline da campanha e todos os sites e números de telefone que fizeram parte da história.

No meio de tudo, Trent Reznor ainda comprou briga com a RIAA (Recording Industry Association of America), que o acusou de estar incentivando a pirataria por distribuir música por “meios alternativos”. Reznor respondeu: “Os drives USB são simplesmente um mecanismo de carregar música e dados para onde nós quisermos. A mídia CD ficou antiquada e irrelevante. Realmente é dolorosamente óbvio o desejo das pessoas: músicas livres de DRM (Digital Rights Management) com a qual elas podem fazer o que quiserem. Se a gananciosa indústria da música abraçasse essa idéia, eu acredito verdadeiramente que as pessoas pagariam e consumiriam mais música.”

Mas Reznor não gosta de chamar o ARG para lançar seu disco de marketing, segundo ele, é mais do que uma mera brincadeira para fazer as pessoas comprarem um disco, é uma experiência para os fãs, uma verdadeira forma de arte.

“Year Zero”, assim como diz o nome, é mais um desses novos marcos que temos visto nos últimos tempos, não só na indústria da música, como também na da propaganda. É um grande exemplo da linha tênue que pode existir entre o marketing e o entretenimento, que engaja as pessoas ao invés de incomoda-las, que as conquista antes de vender algo. Sei que repito esse discurso muitas vezes nesse blog, mas vendo ações assim serem executadas com sucesso, não tem como ser diferente.

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