- Cultura 16.dez.2015
O mundo valioso e complexo dos colecionadores de “Star Wars”
Com a estreia de “O Despertar da Força”, o mercado de figuras aquece, gera milhões e uma corrida por itens raros
Adriano Ticiano tinha 12 anos quando, acompanhado do irmão, foi assistir no cinema do Morumbi Shopping, em São Paulo, a “O Retorno de Jedi”, que encerra a trilogia clássica de “Star Wars”. O ano era 1983. Antes de entrar na sala lotada, ficou fascinado com o cartaz. Ele já conhecia séries de ficção científica dos anos 70, como “Star Trek” e “Buck Rogers”, mas era seu primeiro contato com a saga criada por George Lucas.
“Descobri um mundo novo, aquilo me acertou como um raio. Tudo do que eu gostava estava ali: luta de sabres, robôs, monstros, a jornada de um herói”, lembra Adriano. Meses depois, ele encontrou numa loja da capital um boneco de chumbo do Darth Vader, fabricado, mesmo sem licença, pela empresa brasileira Model Trem, especializada na construção de ferrovias em miniatura.
“Eu queria muito aquilo, mas era caríssimo”.
Depois de juntar dinheiro, comprou aquele que seria o primeiro item de sua coleção.
Hoje, o professor de arte e ilustrador de 43 anos, que mora num apartamento em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, mantém uma coleção de 600 action figures (o que conhecemos como bonequinhos, mas que os fãs preferem chamar de figuras), sendo que uma delas é o Darth Vader de chumbo adquirido nos anos 1980.
Nessa mesma época, Jétur Cunha, o analista de sistema considerado uma lenda entre os colecionadores brasileiros, ganhou da irmã um álbum de figurinhas de “O Retorno de Jedi”, o que despertou seu interesse pela saga. Após ver esse episódio num cinema de Santo André, Jétur apaixonou-se pela criatura Salacious B. Crumb, que aparece nas primeiras cenas. Foi o ponto de partida de sua conexão com o universo de “Star Wars”. Em 1995, ele iniciou, de fato, a imensa coleção, sendo que parte dela é dedicada ao bicho malvado de orelhas grandes.
Não é fácil, para quem vê de fora, entender o interesse –em alguns casos, obsessão– dos colecionadores. Eles torram uma grana (e bastante tempo) indo atrás, via garimpo virtual ou em viagens mundo afora, de diferentes versões de personagens, naves e criaturas. Chegam a gastar 5.000 reais em uma única peça. Lotam os cômodos da casa com todo tipo de brinquedos e falam sobre eles como se fossem pessoas reais. É um mundo fascinante, louco, valioso e complexo.
Com a estreia de “O Despertar da Força”, em 17 de dezembro, o sétimo episódio que dará início a uma nova trilogia, o mercado de colecionadores aquece como se uma importante empresa estivesse abrindo capital na Bolsa. Novos bonecos, produzidos pela Hasbro, a fabricante oficial, já estão em circulação pelo país. Para dar uma dimensão do que estamos falando, a Sotheby´s, importante casa de leilão inglesa, reuniu pela primeira vez, em 11 de dezembro, 600 artigos de “Star Wars” que pertencem a um colecionador japonês. Os valores vão de 100 a 35 mil dólares.
O boneco da Glasslite que virou febre entre os fãs
Apesar de soar extravagante, o papo entre aficionados é tão natural quanto fazer compra no supermercado. Jétur Cunha, 43 anos, reconhecido como um dos maiores colecionadores do país, é discreto e fala com humildade de sua coleção de mais de 3.000 itens. Entrar no seu apartamento no Alto do Ipiranga, em São Paulo, é como visitar um museu de ficção científica. Do tapete à persiana, passando pela roupa de cama, tudo é do “Star Wars”. Quem senta no sofá da sala é escoltado por dois Stormtroopers gigantes, seu personagem preferido.
A Sotheby´s reuniu pela primeira vez 600 artigos de “Star Wars” que pertencem a um colecionador japonês. Os valores vão de 100 a 35 mil dólares.
Desde 2009, ele viaja aos Estados Unidos para participar de encontros de fãs como Star Wars Weekend e Star Wars Celebration. Três anos depois de começar a coleção, em 1998, voltou do país com três malas cheias de brinquedos. “Gastei na época mais de 1.000 dólares”, diz. Seu foco são as figuras de 3 ¾ polegadas, a escala clássica fabricada pela Kenner desde 1977. Hoje, quem lança essas peças é a Hasbro, que detém a licença da Disney.
Pelo menos três cômodos de sua casa estão abarrotados de Darth Vaders, Luke Skywalkers, Stormtroopers… Há itens raríssimos entre eles, a exemplo do Salacious B. Crumb em tamanho natural, a criatura cuja primeira aparição encantou Jétur. Exposto com destaque numa prateleira dedicada apenas a esse personagem, ele integra uma série limitada de 600 peças e foi adquirido pela internet por 5.000 reais. “É uma das que mais gosto. Adaptei o móvel e a estante, um pouco maior do que as outras, justamente pensando no Salacious”, afirmou Jétur.
Ainda mais venerado por seus colegas, o boneco Vlix tem uma história pitoresca. Apesar de não aparecer em nenhum dos seis episódios –é personagem do desenho “Droids”, do universo expandido de “Star Wars”–, ele é um dos artigos mais difíceis de ser encontrado e virou febre. Isso porque o Vlix só foi lançado no Brasil. A Glasslite, fabricante dos produtos por aqui, adquiriu o molde nos anos 1980 e colocou, por um breve período, o boneco esverdeado no mercado nacional.
Fabricado apenas no Brasil, o personagem Vlix – que nem aparece nos filmes – chega a custar mais de 3.000 dólares
Os poucos exemplares estão nas mãos de fãs estrangeiros, mas um deles e, mais impressionante, o protótipo usado pela Glasslite pertencem a Jétur: “Tenho o que nos Estados Unidos eles chamam de hard copy, além da versão comercial vendida no Brasil”. Não é pouca coisa. Para garantir um Vlix é preciso desembolsar mais de 3.000 dólares. Na lista do eBay, ele aparece como um dos dez itens mais valiosos entre action figures de todos os tipos.
O que mais chama a atenção na coleção de Jétur, a despeito dos itens raros, são os lindos cenários que reproduzem cenas dos filmes. Numa estante da sala é possível ver um duelo entre Obi Wan Kenobi e Darth Vader, o Palácio do Jabba com todos os seus integrantes e o Conselho Jedi completo. Montar suas sequências preferidas com os bonecos é sua maior diversão.
As figuras de chumbo e o colecionador saudosista
Cada colecionador tem sua particularidade. Alguns optam por figuras mais antigas, outros preferem investir em naves, mas todos respeitam o gosto alheio. Adriano Ticiano, o professor de arte cuja primeira peça foi um Darth Vader de chumbo, não tira da embalagem nenhum de seus bonecos. Ele explica:
Além de preservar as informações da embalagem, a figura e a arma ficam bem condicionadas na cartela”
Seu objetivo não é o mesmo de uma criança, que joga o boneco para o alto, mexe nas articulações, coloca-o de ponta-cabeça. Por ser ilustrador, Adriano dá valor à estética das cartelas. A coleção perfeita, segundo ele, é a vintage, que combina bonecos modernos, detalhados e articulados, às clássicas cartelas de 1977, produzidas pela Kenner, a empresa americana que lançou a primeira linha de produtos da saga.
Assim como seus amigos, Adriano tem fixação pelos personagens do Palácio do Jabba e os que aparecem, ao som de jazz, na Mos Eisley Cantina, no “Episódio IV: Uma Nova Esperança”. Como há diversos alienígenas e monstros, reunir todas essas figuras é um desafio dos mais excitantes.
Nem sempre as figuras da americana Hasbro são as mais desejadas. Pela perfeição dos bonecos, fabricantes japonesas tem ganhado destaque. Além de procurar as peças clássicas da escala 3 ¾, Adriano aposta em figuras maiores e mais sofisticadas, como duas estátuas dos vilões Darth Maul e Darth Vader produzidas pela Kotobukiya. Já as peças brasileiras, por outro lado, tornam-se relevantes por causa da raridade. É o caso dos artigos da Glasslite e da Model Trem.
Nos anos 1980, a empresa Model Trem, especializada em ferromodelismo, produziu uma série não autorizada (os tais bootlegs) de 34 bonecos de chumbo de “Star Wars”. Quando a Glasslite comprou a licença para fabricá-los, essa série foi interrompida e tornou-se um objeto de desejo. Foi um desses pesados bonecos que Adriano comprou em 1983, dando início à coleção.
Rodrigo entra na internet toda noite para garimpar figuras. Reserva 10% do orçamento mensal para gastar com “Star Wars”
Um dos mais atuantes colecionadores de São Paulo, o dentista e radiologista Rodrigo Moreno, de 39 anos, é louco por essas peças brasileiras de chumbo. Ele guarda em seu apartamento do Campo Belo, 11 exemplares (inclusive com as caixas originais), sendo que cada um deles vale cerca de 1.000 reais.
“Tenho saudosismo por peças antigas. Apesar de serem simples, elas contam uma história. O desafio é maior também”, diz Rodrigo, que começou a coleção há dez anos, depois de ver um boneco do Darth Vader, seu personagem preferido, na Avenida Paulista.
“Star Wars é a história do Darth Vader. É o personagem mais imponente, misterioso, e o visual dele é fantástico”.
Não à toa, ele tem uma prateleira dedicada ao vilão, com diferentes versões, entre elas uma com o personagem vestido de branco. E quase todas sem o capacete.
Exposto numa das paredes do quarto onde bonecos, sabres e capacetes saem de todos os cantos, um quadro exibe o desenho original de uma das cenas de “O Império Contra-Ataca” (1980), feito por Ralph McQuarrie, o responsável pelo visual da saga. Trata-se de um dos itens mais valiosos de Rodrigo, adquirido num sorteio promovido pela LucasFilm. Rodrigo entra na internet toda noite, em sites de comércio eletrônico, para garimpar figuras. Reserva 10% do orçamento mensal para gastar com “Star Wars”.
Foco, planejamento, planilhas e paixão
Ser colecionador exige, além de tempo, disciplina. Metódico, o gaúcho Ricardo Locatelli, morador de Porto Alegre, resume a sua fixação pela série: “Tento ser racional num universo irracional”. Talvez por ser engenheiro civil, ele prefere trabalhar com planilhas e catalogar todas as compras e os itens de desejo, a sua “lista alvo”. Ricardo coleciona peças há dois anos, mas é determinado. Já contabiliza 598 itens, parte deles comprada de fãs que desistiram de colecionar ou mudaram o foco.
“Não trato ‘Star Wars’ como se fosse uma religião. Gosto até mais de outros filmes, mas nenhum deles tem uma coleção tão desafiadora”, diz Ricardo ao explicar por que resolveu começar a brincadeira, que, para ele, tem mais cara de negócio. O foco é claro: quer ter todos os personagens da escala clássica, de 3 ¾ polegadas. Sua peça mais antiga é um C-3PO da Kenner, de 1977.
Quando busca por itens raros, Ricardo aciona sua rede de hunters espalhada pelo mundo (amigos na Europa, Estados Unidos e Ásia ajudam nas compras). No seu caso, além da afinidade com o universo de George Lucas, há uma ação movida por desafio. Por ser praticamente ilimitada, a coleção da saga torna-se uma missão quase impossível.
Tudo bem, tem o desafio, mas por que “Star Wars” tem o poder de fascinar tanto seus seguidores? “Me ajuda bastante no dia a dia graças à filosofia por trás da história, o respeito entre os personagens, essa coisa de um ajudar o outro”, afirma Jétur. Ele cita uma frase do Anakin Skywalker para resumir a ideia:
O problema do mundo é que ninguém ajuda ninguém”
Adriano destaca a mistura de culturas. “Vejo uma filosofia embalada num filme de entretenimento, com referências medievais, budistas e espirituais”, diz. “Fora isso, temos a história de uma tragédia familiar, a ação das batalhas espaciais e os cenários colossais”, complementa. No papel de cinéfilo, ele considera o episódio “O Império Contra-Ataca” (1980) como “o melhor da saga”, “O Retorno de Jedi” (1983) como o “mais divertido” e “A Nova Esperança” (1977) como o “épico, que arrepia até hoje”.
Todos eles estão na expectativa e já compraram ingressos para ver o sétimo episódio, “O Despertar da Força”, nesta quinta-feira. “Vem bomba por aí”, imagina Adriano.
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